Úrsula Zion é DJ atuante e uma representante da cultura Ballroom na cidade. Hoje ela vai explicar o que é essa cultura, como ela surgiu e a importância de conhecermos e valorizarmos essa frente na cidade.
[TUNTISTUN] Oi Úrsula Zion, tudo bem? É uma alegria fazer essa entrevista com você que é uma das pessoas atuantes da nossa cena, vamos falar um pouco dessa aventura?
É um imenso prazer e uma honra receber o convite de vocês pra essa entrevista! Vamos bater um papo sobre Cultura Ballroom e como essa Cena atua no DF.
[TUNTISTUN] Vamos falar um pouco do início, conta um pouco de você, onde nasceu e tal, conta pra gente como foi sua juventude?
Eu nasci em Santo André (SP) mas sou criada no Distrito Federal, especificamente no Guará. Meu contato com a arte iniciou ainda na infância através da dança e no final do ensino fundamental comecei a estudar música e também teatro na escola. Cheguei a fazer parte de grupos de teatro e grupos de dança do DF e com eles viajei para alguns estados do Brasil participando de festivais. Embora quisesse ter uma carreira artística desde criança os medos em relação ao mercado de trabalho sempre foram presentes também, por conta disso tive muita dificuldade em escolher uma área na faculdade e afins. Atualmente tento conciliar os estudos da graduação com os trabalhos artísticos.
[TUNTISTUN] E qual a importância da música na sua adolescência e formação como pessoa?
A música sempre foi minha salvação. Durante a adolescência passei por muitas situações difíceis, principalmente na escola, por não ser uma pessoa com uma aparência “padrão” e tudo isso mexia muito com o meu emocional. A música sempre foi meu ponto de fuga, escape e calmaria. Quando comecei a estudar música de fato entendi que ela vai muito além do que a gente geralmente tem acesso. A música é uma potência transformadora do ser humano e acredito que através dela podemos tocar e transformar as pessoas.
[TUNTISTUN] Para começarmos esse bate papo acho importante você falar um pouco da cultura Ballroom, o que é essa cultura? Quando ela começou? E quando chegou ao Brasil?
A Cultura Ballroom/Comunidade Ballroom/Cena Ballroom/Ballroom são termos de uma cultura underground LGBTQIA+ criada por pessoas negras e pessoas latinas. Essa cultura nasceu no Harlem (NY), em meados da década de 60, a partir da necessidade de sobrevivência dessa população. Ao longo de décadas muitos jovens LGBTs, principalmente negros, foram expulsos de casa por conta do preconceito e, na década de 80 isso foi intensificado devido ao surgimento do HIV. A Ballroom então surge como um movimento de resistência e sobrevivência da população LGBTQIA+ racializada, com a proposta de um ambiente acolhedor e inclusivo onde as pessoas podem se expressar e entregar a própria arte de maneira plena, além de terem suas existências reconhecidas, enaltecidas e valorizadas.
A Comunidade Ballroom é formada, principalmente, pelas Houses/Casas que são coletivos formados a partir de pessoas que possuem afinidade de interesses, pensamentos, objetivos, etc, mas também existem pessoas que atuam na Cena de forma independente sem nenhuma house/casa, que são conhecidas como 007.
A principal tradição dessa Cultura é a “Ball/Balls”, que são bailes de celebração onde as pessoas da cena competem e batalham em diversas categorias multiartísticas pelo “Grand Prize”, grande prêmio em tradução literal, que pode ser em dinheiro ou apenas status e glória. O vogue é a principal forma de manifestação da Ballroom sendo a dança (e categoria) mais estudada e difundida da Comunidade tanto na Cena “Kiki” (cena regional), quanto na Cena “Major” (cena mundial).
No Brasil existem algumas versões sobre quando aconteceu a chegada da Cultura Ballroom, mas a Cena é consolidada desde 2015. As primeiras manifestações da Cultura Ballroom (seja através da organização das pessoas enquanto Comunidade seja através dos estudos da dança vogue) no Brasil de fato aconteceram através do Centro Oeste e São Paulo.
[TUNTISTUN] E quando você teve acesso a essa cultura? Como foi essa experiência?
Meu primeiro acesso a Cultura Ballroom aconteceu através da dança vogue lá em 2012 quando viajei para o festival Meeting Hip Hop Valinhos no interior de São Paulo e vi uma apresentação de vogue do Trio Lipstick (pioneiras da Cena Ballroom de Belo Horizonte). Nessa época eu estudava e dançava as danças urbanas em geral mas o acesso a informação sobre o vogue era muito restrito e nesse período ainda não existia nenhuma House/Casa oficial no Brasil. Desde 2015, quando a Cena Ballroom começou a se mostrar mais organizada e consolidada no Brasil, eu acompanhava o trabalho de alguns nomes conhecidos mas apenas de longe.
Em 2018 foi quando eu tive um contato com a Cultura Ballroom de fato, comecei a estudar a dança vogue, fui a minha primeira Ball, comecei a batalhar em categorias e comecei a ser DJ de Ball. Esse contato aconteceu através da Kiki House of Caliandra (atualmente fechada), uma House criada na UnB com o objetivo de espalhar a Cultura na universidade através da organização de Balls e oficinas de vogue gratuitas. Nesse mesmo ano fui convidada a fazer parte do capítulo brasileiro Iconic House of Zion, fundada em Nova York, e através dela fui inserida na Cena Major.
Afirmo com toda a certeza de que a Ballroom salvou a minha vida. Nessa época eu estava muito perdida em relação a minha arte e o que eu queria fazer da minha vida, principalmente depois de um período muito complicado de depressão. Ser uma mulher preta e gorda fez com que muitas portas no mundo da arte se fechassem pra mim por muitos anos. A Ballroom foi um espaço acolhedor em que eu fui aceita justamente por ser quem eu sou e me deu a oportunidade de me reconectar com a minha própria arte e descobrir coisas que eu nem sabia que era capaz.
[TUNTISTUN] Quais foram suas primeiras festas e Djs que te abriram os olhos?
As primeiras festas que me abriram os olhos foram no DF mesmo, mas infelizmente não por um motivo bom. Na verdade eu não gostava dos DJs das festas que eu ia, tanto que eu nem lembro o nome dessas pessoas. Na época alguns amigos começaram a me encorajar a estudar discotecagem mas demorei até de fato botar fé na ideia e ir atrás de ver como seria. As primeiras festas que eu toquei foram Happy Hours da UnB e me inspirava muito nas pessoas que também tocavam nas festas da UnB naquela época. De DJs que me abriram os olhos sobre o que eu almejava alcançar com o meu trabalho enquanto DJ naquele período o que mais me marcou foi o Flying Buff.
[TUNTISTUN] Você faz parte de coletivos muito atuantes na cidade, conta um pouco sobre eles, quem faz parte e o que vocês fazem de legal?
Os coletivos que faço parte com atuação no DF atualmente são a COB.TV e a Casa de Oorun Odara.
A Casa de Oorun Odara foi fundada em 2019 e é a Casa que eu faço parte na Cena Kiki da capital e atualmente sou Mother da Casa junto da Overall Mother Raio de Sol. Além de nós como Mothers a Casa também conta com a Imperatriz Eva e as Princess Elvira, Mari, Santana e Baby GP. Pra além desses cargos de liderança na Casa temos mais pessoas que fazem parte da família. Todas as pessoas da Casa de Oorun Odara são artistas de alguma forma e nosso propósito é fomentar a Cena Ballroom da cidade batalhando em Balls e desenvolvendo projetos artísticos em conjunto.
Já a COB.TV é uma sigla para Centro Oeste Ballroom TV ou Central Online Ballroom. É a maior plataforma de difusão digital da Cultura Ballroom no Centro Oeste do Brasil e foi fundada por mim em 2018. O principal objetivo da COB.TV sempre foi fazer a cobertura da Cena Ballroom e disponibilizar esse material para a Comunidade através da cobertura audiovisual e fotográfica. Atualmente a COB.TV também atua como uma produtora de Balls e outros eventos Ballroom no DF tanto presenciais quanto online. No momento estamos com uma equipe pequena que é composta por eu, Elvira Cachorra, Xico da Silva, João Martins, Gabriel Cunha, Igor Barbosa, Aurora Cristal e Artur Potter; porém visando uma nova proposta para a COB.TV para o ano de 2022 muito provavelmente essa formação irá ser alterada, não sei ainda se para mais ou menos pessoas. Vamos aguardar os próximos capítulos!
links:
Links:
Trio Lipstick https://youtube.com/user/TrioLipstick
https://instagram.com/triolipstick?utm_medium=copy_link
House of Zion https://youtube.com/channel/UCQEeNUNT3JiOs5BmQHxwOPQ
https://instagram.com/houseofzion?utm_medium=copy_link
Flying Buff https://youtube.com/c/FlyingBuffMusic
https://soundcloud.app.goo.gl/fnvTf
COB.TV https://youtube.com/c/CentroOesteBallroomTV
https://instagram.com/cob.tv?utm_medium=copy_link
Casa de Oorun Odara https://youtube.com/channel/UC1-RHAoICYfkXad0RAfhVSA
https://instagram.com/casadeoorunodara?utm_medium=copy_link
[TUNTISTUN] Diz para gente 5 músicas que te marcaram no início da sua descoberta da música?
Na época que eu comecei a estudar música de fato eu escutava muita música clássica e rock, então é meio complicado listar apenas algumas aqui. Mas quando comecei a me descobrir enquanto DJ as músicas que mais me marcaram foram:
The Muck HA do Byrell
The GreatPut Your Back in There do DJ Silink
Es Zieth Mich do Schwefelgelb
Não Foi Cabral da MC Carol
Anna Wintour da Azealia Banks
[TUNTISTUN] Você já vivenciou festas e cenas Ballroom de outras cidades, o que você mais gosta dessa cultura em Brasília?
A energia da galera durante a Ball. Infelizmente ainda não tive a oportunidade de conhecer outras Cenas do Brasil além de DF, SP e BH mas tento acompanhar os outros estados através das redes sociais. Acho que o DF tem uma presença única na Ballroom e muitas coisas você só vai vivenciar aqui.
[TUNTISTUN] Quais Djs dessa cultura você acha que merecem a nossa atenção?
Com toda a certeza DJ Orí, daqui do Distrito Federal (https://instagram.com/mist3rlonely?utm_medium=copy_link)
De São Paulo indico DJ Gaia Bassan (https://instagram.com/itsinmytrunk?utm_medium=copy_link)
DJ EVEHIVE do Rio (https://instagram.com/evehive?utm_medium=copy_link)
DJ Alírio do Rio de Janeiro (https://instagram.com/alirio_____?utm_medium=copy_link)
DJ Pambelli (https://instagram.com/pambelli?utm_medium=copy_link)
https://youtube.com/channel/UCylYS4g3g60nzs6C-OMMAQQ
DJ b o u t (https://instagram.com/boutdj?utm_medium=copy_link)
E DJ CLEMENTAUM de Curitiba (https://instagram.com/clementaum?utm_medium=copy_link)
[TUNTISTUN] Fale um pouco das suas influências musicais, o que você busca no seu som?
Minhas maiores influências são o house em geral, o funk e o vogue. Eu busco que o meu som seja o mais open format possível, eu gosto de muitos estilos de música e acredito que por ser uma DJ com estudos voltados para a Cultura Ballroom não estou impedida de tocar outras coisas também.
Na produção autoral eu busco colocar o máximo possível da minha identidade e elementos sonoros que me agradam, mas como ainda estou iniciando meus estudos na produção musical tudo ainda está muito experimental.
[TUNTISTUN] O que você imagina da volta dos rolês?
Imagino que vai ser muito emocionante quando pudermos voltar a ter eventos grandes em segurança. Espero que a situação melhore o quanto antes e que as pessoas tenham responsabilidade na volta dos rolês pra que todo mundo fique bem. Acho que muitos coletivos e festas legais vão retomar as atividades e estão com muita coisa massa pra botar pra jogo. Estou ansiosa pra experienciar tudo isso.
[TUNTISTUN] Pode indicar 5 músicas mais recentes que você tem curtido?
Deekapz – Gimme Gimme x Hung UP
DJ Caraí – Violino Agressivo
Vjuan Allure – Body
Byrell The Great – Bitches Gag
DJ Spiider – ThundaKunt