A história da Música Eletrônica em Brasília Parte 4

O post anterior termina com a história do fim do Wlöd, o primeiro club de música eletrônica em Brasília, que terminava seu ciclo de existência transformadora em 1996, mesmo existindo fisicamente até 1997. O Wlöd, como dito no texto, foi um divisor de águas.

Os DJ’s a partir de agora começavam a chamar a atenção do grande público, da mídia e dos produtores de eventos. Se anos atrás corríamos o risco de sermos insultados ou de ganhar uma latada de cerveja na cara por tocar este estilo de música, agora recebíamos a atenção de todos.

Esse momento foi quase uma transição de eras. Antes do Wlöd, nós DJs, quando íamos tocar nas casas noturnas existentes na cidade, poderíamos encontrar toda a sorte de equipamentos e cabines.

Era uma época que as ligações elétricas eram mal feitas, não existiam muitas tomadas nas paredes e sempre tinha uma gambiarra para a gente cuidar. Nessas casas, que normalmente ficavam nas comerciais do plano piloto, o DJ não tinha nenhum destaque, pelo o contrário, normalmente ficava escondido.

Uma vez em um lugar que fui tocar antes do Wlöd, e que nem citei antes, pois não teve relevância nenhuma para a música eletrônica, o DJ ficava trancado num cubículo. O nome do lugar era Sindicato e ficava na Asa Sul. Nesse espaço, um subsolo da comercial, o DJ além de ficar fechado em um quarto, só conseguia ver as pessoas por um pequeno buraco na parede. Confesso que foi inusitado. Pra ver a pista eu precisava ir com a cara na parede e olhar em um buraco como se fosse um olho mágico. E claro, ninguém me via.

Um novo momento para a música eletrônica em Brasília

Com o Wlöd uma nova era se abriu para todos que trabalhavam ou gostariam de trabalhar com esse estilo de música. O número de DJ’s vinha aumentando após a casa noturna, e isso contribuiu muito para a maior popularização da música eletrônica em Brasília. Se no início o Hardcore, o Bleep, o Techno e a House dominavam, agora, com a introdução que André e Pedro fizeram, as batidas quebradas ganharam força, aumentando o número de adeptos em geral. Os DJs estavam a cada dia conquistando mais espaço na noite da cidade.

Com a segmentação da música sendo uma tendência cada vez mais forte nas pistas mundiais, o meu distanciamento musical de Pedro e André acaba ficando muito evidente e nosso público acaba se dividindo. Nossos rumos musicais até então eram muito relacionados, e de pouco a pouco foram ficando mais distantes. Eles são uma dupla tradicionalmente inquieta, foram pesquisar novas fronteiras musicais com o IDM/Jungle/Drum n’ Bass e eu fui fincando minhas raízes no som 4 x 4 das batidas do Techno e da House.

O fim do Wlöd foi muito desgastante para todos. Nós tínhamos investido muito tempo na casa, nos dedicado ao máximo para ela ser o que foi, e com certeza ficamos tristes com o desfecho. O bom relacionamento entre o staff sempre foi dinamitado pelo dono, ele sempre achava que o melhor era criar intrigas, era o típico empresário brasileiro da década de 80, especulativo.

De alguma forma isso contribuiu ainda mais para o processo de distanciamento entre nós. Era um empresário que favorecia e semeava a discórdia. Esse nosso afastamento nesse período foi um processo doloroso, porém natural, pois a dupla tinha construído uma concepção de noite e desejava implementá-la a seu modo. E eu sozinho fui construir novas raízes.

O primeiro Park Dancing

O ano de 1996 ainda trouxe dois capítulos interessantes nessa história que preciso contar. O primeiro deles foi a realização de um evento de dance music dentro do Park Shopping. A música eletrônica em Brasília já era um assunto recorrente. Qualquer pessoa mais antenada musicalmente e que morasse em Brasília, sabia que algo estava acontecendo nas pistas de dança do mundo.

A produtora Low Profile conseguiu convencer o shopping a fazer uma ação promocional para realizar um evento que buscava entrar na nova onda da juventude. E assim fizeram – uma pista grandiosa na praça central do shopping. O nome do evento era Park Dancing.

A praça central foi transformada em uma enorme pista de dança, com spots de luzes colocados por todo o espaço, com máquinas de fumaça, raio laser e outras coisas que complementavam o ambiente. A cabine de som foi posicionada em um lugar espetacular, bem na escada que dá acesso ao piso superior. Ali fica um pequeno trecho nivelado onde a cabine do DJ foi instalada, com uma altura ideal para olhar a pista.

O Park Dancing de 96 tinha tudo para ser legal, mas faltou ainda um pouco de conexão com a galera da música eletrônica underground da cidade, como as pessoas que frequentavam o Wlöd.

O Wlöd vivia o início de seu auge e não foi muito afetado pelo evento do shopping, que curiosamente acontecia quase ao lado da casa noturna, que ficava no Setor de Oficinas Sul. Em 96 os artistas escolhidos para o Park Dancing não eram dos gêneros que estávamos muito conectados na época, embora fossem atrações muito representativas nos estilos que tocavam.

Os grandes nomes dessa edição foram o DJ português, Vibe e o americano Benji Candelário. Juntaram-se ao time os representantes brasileiros escolhidos na cidade do Rio de Janeiro: Felipe Venâncio e Marcelo Tallandré. Em 1997 o evento voltaria com uma nova edição muito mais interessante para a cidade e que contarei mais para frente.

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Reportagem que saiu no Jornal Folha de S. Paulo em 1996 pela jornalista Érika Palomino

Link da matéria da Folha de S. Paulo de 1996: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/6/13/ilustrada/8.html

Fim de 1996.

O ano de 96 se encerrava, e eu que por um lado sentia a tristeza do fim do Wlöd, ao mesmo tempo tinha a expectativa de que novos artistas começassem a aparecer na cidade. Eu acreditava que muitos dos frequentadores da casa seriam influenciados pela música e pelo estilo de vida e começariam a me ajudar a propagar a cultura DJ, o Techno e a House.

Os primeiros parceiros que comecei a me aproximar nessa fase foram o Kill (que com esse nome tocava breakbeat, e mais tarde com o nome Mr Spacely consegui trazê-lo para a house), Maze One, o Chec, o Ls2 e a dupla Fred Lobo e Marcelo Martins (Nego Moçambique).

No final de 96, eu e o Leo Cinelli decidimos fazer uma festa juntos. O evento teve uma boa repercussão e se chamou Happy House Party. Essa festa foi incrível, pois conseguimos arrumar um lugar que foi um achado. O espaço era uma casa de festas infantis no setor de chácaras do Lago Sul.

Tinha um espaço cheio de caminhos sinuosos, fliperamas e tinha uma arquitetura bem diferente, com muita expressão. Parecia de alguma maneira que tinha sido inspirado no arquiteto espanhol Antoni Gaudí, pelas formas que a casa e as paredes tinham. Nós transformamos o espaço em uma verdadeira rave.

Essa noite foi muito animada e ficou claro pra mim que a adesão a esse estilo de evento, mais focado no Techno e na House estava crescendo, e eu estava buscando abrir mais espaço na cidade para mostrar a cultura da discotecagem. No som, eu e Fred Lobo que fazia um Live P.A., fomos os responsáveis pelo agito.

Infelizmente, nessa época, ainda não existiam muitos DJ’s desse estilo na cidade, o line up sempre era composto com poucos nomes, e a razão era a falta de pessoas que produzissem, tocassem e tivessem discos. Não era barato ser DJ nessa época, e para tocar precisava ter muitos discos.

Lembro que foi a primeira vez que colocamos um raio laser em uma festa e o público saiu maravilhado.

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Happy House Party 21/12/1996

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Happy House Party 21/12/1996

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Matéria no Correio Braziliense

Para tentar sintetizar os três momentos descritos na matéria do Correio Braziliense separei algumas músicas que toquei e são representativas de cada uma das fases comentadas no texto.

Quadrant – infinition – ELEVATION

Jeff Mills – Condor To Mallorca – MAGNETIC KING

Mark Broom – Funked Up – DOUBLE PENETRATION

A MiQRa

Enquanto isso, no início de 1997, Pedro e André estavam cada vez mais unidos e cada vez mais criativos. Com a saída deles do Wlöd em 96 e nossa separação momentânea, eles assumem como DJ’s na nova casa noturna, com noites dedicadas a música eletrônica em Brasília, a MiQRa.

Nesse processo de separação o grupo que era mais ligado a André e Pedro e a galera da UnB, acabou seguindo a dupla e montando toda a concepção artística desse novo lugar. Flávia Goldgelb, Daniela Brilhante e Raul eram talentos que criavam coisas geniais e tinham ajudado na concepção do Wlöd. Eles agora ajudariam na estruturação da ideia na MiQRa.

O lugar, que era feito por uma sociedade de empresários, tinha mais dinheiro e recursos do que o Wlöd, e conseguiu se estabelecer no início da Asa Norte, em uma excelente comercial, na 203. Ficava no subsolo do prédio mais perto do eixo. A casa inaugurou dia 04 de janeiro de 1997, e mais uma vez, com uma proposta inovadora.

Saíram os insetos do Wlöd e entram as QNaitra, que eram criaturas monstruosas de quadrinhos underground, criadas pelo artista Skolpein para dar o tom da narrativa musical e da identidade visual pensadas pelos dois DJ’s.

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Flyer da inauguração da MiQra com detalhe dos brindes

A MiQRa tinha tudo para ser uma casa com a história e representatividade que o Wlöd alcançou, mas muitas dificuldades aconteceram. Começou com um time muito bom, escolheu excelentes DJ’s, estava em um ponto da cidade bem mais próximo do centro, mas conseguiu ter um empresário infinitamente pior e mais despreparado para esse ramo do que o do Wlöd.

Era uma época em que a mão de obra em todos os segmentos era escassa na cidade. Não existiam muitos promoters, nem muitos empresários e nem muitos hostess. Tudo ainda era novidade.

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Flyer de 1 semana de MiQra

Na MiQRa acontece uma união interessante para a cidade e que gerou muitos frutos, que foi a aproximação do público do rock alternativo com a noite eletrônica underground. Nas noites de quinta-feira, a MiQRa produzia a Subterrânea, festa que juntava o pessoal do rock. Esse período fez muita gente do rock acabar indo para as noites eletrônicas de sábado e ser fisgado pela nossa música anos depois.

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O IDM – Jungle – DnB

Era um momento de expansão definitiva dos estilos eletrônicos na cidade. De um lado eu estava me dedicando fortemente ao Techno à House, e de outro Pedro e André estavam se aprofundando no IDM/ Jungle e Drum n’ Bass. Na MiQRa inclusive, um subgênero do DnB começou a ser tocado e fazer muito sucesso nas noites da dupla, o Drill n’ Bass. Esse subgênero começou quando artistas de IDM começaram a experimentar com breakbeat, Drum n’ Bass e Jungle.

Era um ritmo bem frenético e irregular e os grandes expoentes nesses tempos da MiQRa foram: Squarepusher, Urmur Bile Traxmm, U-ziq e tantos outros. Não tenho dúvidas que André e Pedro prepararam o terreno para o que, nos anos seguintes, facilitaria a aceitação e o sucesso do Drum n’ Bass na cidade.

O momento da dupla era ótimo, muito criativo, e na MiQRa eles conseguiram inovar bastante. Flávia Goldgelb começa a fazer umas performances absurdas na casa e os flyers das noites pareciam obras de arte. Outro fato importante foi a consolidação do conceito do lounge, que na casa, tinha o nome de QNaitra. O lounge da MiQRa, por várias razões foi muito melhor que o do Wlöd. O motivo é obvio, o espaço já foi pensado e estruturado com ele desde o início.

No lounge formavam filas enormes para tentar entrar, de tão cheio que ficava. O lounge do Wlöd era uma pequena sala que existia no espaço e que foi improvisada para esse fim. Lá as paredes eram de chapisco e os móveis feitos de carcaças de carro. As realidades eram diferentes.

Muitos problemas aconteceram que anteciparam a saída da dupla da MiQRa. Mas essa experiência de construir novamente um conceito para uma casa noturna foi um grande laboratório para o que eles viriam a fazer nos anos seguintes. Nessa época a dupla tinha virado referência quando o assunto era experimentalismo na cidade. Eles eram muito procurados por pessoas buscando mais conhecimento nos experimentos musicais e no uso do espaço que eles produziam.

Não tinha nenhum DJ do Brasil que arriscava tanta coisa experimental em uma pista. Eles conseguiam fazer esse tipo de ação, pois o público que os acompanhava confiava no que eles faziam, e principalmente, eles tinham tempo suficiente para desenvolver um set, eles tocavam na maioria das vezes sozinhos. O ciclo na MiQRa estava se encerrando mas eles estavam confiantes que poderiam criar algo onde eles quisessem. E provariam nos anos seguintes que os eventos e experimentações podem acontecer em qualquer lugar.

A dupla já tinha tido uma experiência anteriormente muito desgastante com o empresário do Wlöd e agora muitas coisas ruins estavam acontecendo novamente na MiQRa, o que resultou na saída da dupla depois de quatro meses. Eu não acompanhei esses lances de perto, já que eu estava ainda me desligando do Wlöd, que com nova direção, ainda sobrevivia. Mas o que sei é que aconteceram duas coisas gravíssimas que fizeram a dupla não querer mais se envolver com aqueles empresários.

O primeiro deles é que logo no início da casa, não lembro se na segunda noite ou na segunda semana, ao final de uma festa os dois sócios trocaram cadeiradas entre eles, numa briga dentro das dependências da boate. Já era um indício que as coisas não iriam caminhar bem. Sei que a gota d’água para eles foi o dia em que um dos donos acabou dormindo além da conta e não apareceu para abrir a casa. Isso aconteceu em um sábado que eles tocariam, o que causou uma revolta na dupla e na fila de pessoas querendo entrar. 

Depois de toda a divulgação feita previamente, e isso significava fazer os flyers, imprimi-los e sair nas noites distribuindo. Nessa noite a festa acabou não acontecendo e a dupla não tocando. Ficaram várias pessoas sem entender nada na porta com o sentimento de frustração total. Era a saída das maiores estrelas da MiQRa, casa que eles idealizaram a proposta e que estava apenas em seu começo. Com a saída da dupla e os problemas entre os empresários, a casa não durou muito.

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Eu acabei participando algumas vezes como DJ na MiQRa depois que a dupla deixou o estabelecimento, e confesso, nunca foram noites muito legais. O clima lá, para mim, era muito diferente do que eu estava buscando. A vibe em geral era muito tensa. Apesar disso, era uma casa com uma estrutura bem legal e tinha duas pistas.

Mas para completar a minha experiência negativa na noite, tive de fazer toda a correria para colocar os toca discos no lugar. Nem todos os DJ’s da noite tocavam com vinil, pois já era o início da era dos CDs. Pra piorar tudo, essa manobra de ligar os toca discos foi feita em cima da hora.

Trazem os toca discos e o responsável pelo som me mostra a tomada que eu deveria usar. Preparo-me para tocar pela primeira vez na casa e já sinto mais tensão no ar e penso: Por que raios esse toca disco ainda não estava ligado? Faltavam cinco minutos para eu entrar.

Preparo e posiciono tudo, coloco os toca discos na tomada, ligo as pickups, coloco a primeira música e quando vou mixar a segunda o toca disco apaga e vai fazendo aquele som característico de quando ele vai parando. Eu tinha ligado as pickups na tomada indicada, mas infelizmente a voltagem não era a mesma. O toca disco era 110v e a tomada era 220v.

Incrivelmente o toca disco ainda tocou uma música inteira. Recolho minhas coisas e acabo indo tocar na outra pista. Lembro até hoje a música que eu abri a pista quando queimei meu primeiro (e único na vida) par de toca discos.

Gene Farris – Perking Hard

Eu ainda tenho o registro do flyer dessa primeira festa que toquei na MiQRa, junto com Maze One, Chec e Slamm no segundo club de música eletrônica em Brasília. Detalhe curioso no panfleto é que rolaram sorteios de fitas k7 mixadas. Realmente sempre gostei de fazer isso: gravar sets e espalhar a palavra, no caso, a música.

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Detroit Connection

Voltei a tocar na casa dias depois na II Gay Pride Party onde toquei com o DJ Lagartixa (responsável pelo aluguel do som e equipamentos de várias festas no início), e também com DJ Rodrigo, DJ Carlos, DJ El Galo e DJ Geo.

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Gay Pride em Brasília 1997

Outras festas interessantes que aconteceram lá e que eu tenho os registros são:

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Markinhos Meskita (RJ) , Maze One e Slamm na MiQra

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Live PA do Paulo Beto e show da banda Divine

Sounds Music Depot.

Interessante também mencionar que na cidade existia uma loja de discos especializada em CDs importados, a Sounds Music Depot, localizada na 109 norte. A loja era um ponto de encontro de DJ’s e amantes de música underground, além de um lugar que empregou alguns DJ’s da cidade. Nesse ano começo a trabalhar na Sounds, onde eu tive o prazer de passar horas no meu dia recebendo salário pra escutar e falar de música.

Trabalhar em lojas de disco sempre foi uma boa alternativa para os DJ’s. Quem comandava a Sounds Music era o Cláudio K, figura muito importante na disseminação da música eletrônica em Brasília. Cláudio tinha a loja de discos e ainda fazia um programa dedicado a música eletrônica na rádio cultura, que era referência na cidade e passava todos os sábados à noite, o Eletron. Cláudio K com a Sounds sempre apoiava os eventos de música eletrônica em Brasília e entrará mais na história dos eventos nos anos seguintes.

A nova identidade de Cnun & Sunrise 1

Depois de saírem de uma relação conflituosa com o dono da MiQRa, a Dupla Cnun & Sunrise 1 começa a planejar o fim de seus personagens iniciais e a mudança para suas novas identidades. O local escolhido para dar início a esse processo foi um lugar recém aberto, chamado Sphaera. Não era um club de música eletrônica, e sim mais um espaço que alugava para eventos. O espaço curiosamente e ironicamente também era na 203 norte, na mesma rua da MiQRa, só que no bloco perto das quadras 400.

O tema dessa festa era muito interessante e foi uma sacada genial. O enredo da história era o seguinte, a dupla de super herois, Isn’t & The Six, teria sido congelada pela Rainha Din Din (Adriana Peliano), do planeta Ice-Cream, da Dimensão Geladinha. E literalmente, ela os congela no meio da festa, assume o som, e eles ficam congelados pelo resto da noite, imóveis no meio da pista, performance pura.

Nessa festa eles iniciaram o processo de adeus aos nomes que eles usavam. Esse foi um emblemático momento de posicionamento da dupla como um dos artistas mais importantes e representativos da cidade. Eles eram mais uma vez, naquele momento, os maiores protagonistas de inovação nas pistas da cidade.

Toda essa credibilidade que a dupla conquistou é resultado de muito trabalho, estudo e entrega artística. Eles começaram em um tempo onde os equipamentos importados eram muito caros, distantes da realidade da maioria dos estudantes da UnB. Bem no início da cena, muitas vezes, as festas pequenas eram feitas com DJ’s colocando fitas k7.

Eles nunca foram nem desejaram ser DJ’s no caráter estrito senso do termo, acredito que, naquela época, nem muitas oportunidades para se dedicar e treinar existiam. Eles focaram muito mais em pesquisar e comprar discos do que em treinar mixagens.

Mas eles nunca foram tão pouco meros DJ’s “performers“. Eles tinham uma preocupação com toda a narrativa da história que criavam para cada evento por meio dos flyers, da manipulação do espaço, e principalmente, pela pesquisa musical e curadoria artística. André, nessa época, pegava o microfone com voz de robô, com efeito de vocoder, e proferia frases como: “Dança quem quiser….ou puder”.

Deep Forest

No mesmo dia da festa do Sphaera acontece um outro evento, mas no setor de clubes sul, chamado Deep Forest. Essa festa pra mim foi importante, pois foi uma das pioneiras em buscar o setor de clubes como uma alternativa para realizar eventos de música eletrônica em Brasília.

O evento seria no clube de Subtenentes e de Sargentos do Exército. Era uma época que não era exigido alvará eventual para eventos dentro dos clubes. Como os clubes já tinham um alvará eles podiam alugar suas dependências, sem ter de tirar um outro, o que facilitava a nossa vida.

Era uma alternativa mais perto do centro da cidade e que mantinha o mesmo espírito livre das festas no Park Way. Nos anos seguintes os clubes do Setor de Clubes de Brasília foram muito usados para a realização de festas, e a Deep Forest foi a pioneira a usar esse tipo de espaço.

A festa foi produzida pela Alice Biato que tinha acabado de voltar de uma temporada em Londres e acabou produzindo algumas festas nesse ano em sua volta. Para o som teve a repetição de um line up que já vinha ficando mais constante, comigo, com o Ric Novaes e Fred Lobo e Marcelo Martins fazendo um live P.A..

Foram duas pistas, e o Ric começou a ser seduzido pelo House e adotou outro pseudônimo, e estreou como Mr. Spacely, que se concentrava no som 4 x 4, e o DJ Kill ainda manteve as batidas quebradas. Nesta festa, Chicco Aquino fazia uma participação especial junto com George Lacerda comandando uma percussão ao vivo.

“1997 foi o ano que me inseri no universo da discotecagem, não como DJ ainda, e sim acompanhando alguns DJ’s tocando percussão. Eu frequentei o Wlöd e eu tinha uma banda nessa época. Na Deep Forest fiz minha primeira apresentação como percussionista e logo depois me chamaram para fazer o mesmo na MiQRa.”

Chicco Aquino DJ e produtor da Makossa e Tônica

A festa da Arquitetura

Na década de 90 todo fim do primeiro semestre da Unb, normalmente no meio do ano, acontecia a festa da Arquitetura. Esse era um evento que a cada edição crescia mais, e que a música eletrônica ganhava mais espaço. 1997 foi um ano especial para a festa, pois foi quando a pista de música eletrônica conquistou seu espaço definitivo no evento. Nos anos anteriores, a pista de música eletrônica era sempre uma pista alternativa e ficava em um espaço menor.

Mas em 97 a música eletrônica tinha um novo lugar na festa. Se antes tocar na UnB era um desafio e precisava um pouco de coragem pelo risco de agressão, inclusive física, agora a pista era disputada por todos. Pela primeira vez o tratamento dado a pista eletrônica foi grande, graças aos alunos do curso, principalmente ao Marcelo Galo (DJ El Galo) e ao André Costa, que também estudou arquitetura.

Eles conseguiram juntar outros tantos interessados na música para realizar o evento, pois no curso de arquitetura tinham muitos DJ’s, entusiastas de música eletrônica e frequentadores das festas. E para ajudar, era um evento que tinha uma grande e entusiasmada equipe de produção.

“O que se viu nessa festa foi uma pista de sei lá quantas centenas de pessoas como se cantassem com os dedos da mão, e fizessem o refrão da música, os bleeps de Testfour do Sweet Exorcist”

Relata André Costa.

Testfour · Sweet Exorcist

Nesse ano a pista de música eletrônica foi no bambuzal e o tema da festa foram os répteis. Graças a ajuda de alunos que estavam estudando estruturas em bambu com um professor, eles conseguiram fazer um cenário incrível para a pista e que foi sem dúvida, um dos pontos altos do evento.

Esses dinossauros foram montados de uma forma que eles eram articulados manualmente por pessoas que ficavam se revezando e fazendo a cabeça se movimentar. Juntando o movimento com as luzes piscando dava uma sensação incrível. A festa da arquitetura tem uma importância fundamental para a disseminação da música eletrônica em Brasília e da cultura em geral na cidade.

Produção de eventos

O início de 97 foi um ano muito difícil para mim como DJ. Depois de eu ter experimentado a pista do Wlöd, e claro que ela tinha sido até aquele momento, a melhor da minha vida, eu estava agora sem nada. Depois de ter vivenciado essa energia toda, eu agora precisava fazer alguma coisa para voltar a tocar. Percebi que fazer as minhas próprias festas era a única alternativa para eu poder tocar novamente, pois o Wlöd em nova fase não ia durar muito tempo.

Eu já tinha tido experiência com produção de eventos fazendo a Existan cel, depois o Wlöd, e tinha voltado a fazer evento com a Happy House Party. Esse evento deu certo e me deu esperança em um momento onde não tinha mais a casa noturna que idealizei, o Wlöd, e não estava mais com a dupla que me inspirou e me deu espaço no início, o Pedro e o André. E pra completar eles estavam participando de um novo club, a MiQRa.

Durante o curto período que ficamos um pouco afastados rolaram alguns atritos, pois era um momento onde os estilos, e principalmente, parte do público tinha se separado. Éramos muito jovens e cheios de ideais. Foi nesse momento solo que eu percebi que queria participar da construção da cena em Brasília, e para isso acontecer eu precisava de mais parceiros.

Eu precisava buscar novos parceiros e DJ’s que estivessem ou quisessem também se engajar na cena Techno e House. Demorou um tempo para que esse som recuperasse o seu espaço e seu valor, pois uma boa parcela dos adeptos iniciais partiram junto com o André e o Pedro para novas fronteiras sonoras. Era muito difícil para eu, sozinho, tentar levar essa bandeira. Me senti um pouco isolado, pois ainda não tinha consolidado meu público, e agora precisava construir a minha própria história.

Eu entendi que precisava disseminar mais a música Techno e House e buscar pessoas que gostassem dela. Dediquei-me a isso aprofundando na pesquisa, nos estudos na arte da discotecagem, e nos encontros que promovia na minha casa com interessados na música, na cultura, ou em ser DJ. Eu percebi que precisava me preparar bem, pois as coisas que estavam acontecendo aqui eram muito significativas e eu queria contribuir com o crescimento da cena eletrônica na cidade.

Eu confiava no poder da música e só precisava conseguir mostrar isso para mais pessoas. Hoje percebo que estava preparando o terreno para esse crescimento, buscando agregar mais pessoas.

A partir de então eu encarei o desafio de me tornar um DJ que pudesse juntar as duas coisas que eu acreditava, a pesquisa musical e a arte da discotecagem. A pesquisa musical é a principal atividade de um DJ, e aprendi a importância disso com o Pedro e com o André.

Mas a minha experiência em São Paulo me apresentou outra coisa, a arte da discotecagem, e o poder dela em uma pista de dança e isso aprendi muito com o Renato Lopes e com o Mau Mau. Eu precisava juntar esses dois aprendizados para me tornar o DJ que eu gostaria, era esse o meu desejo e era o que eu iria buscar.

Conexões com outras cidades

Uma coisa foi positiva no início de 97, e que aconteceu muito pela minha necessidade de arrumar parceiros de som. Foi o fortalecimento de um processo muito importante para a cena, as conexões com outras cidades do Brasil. Eu queria buscar pessoas que gostassem dessa música e que eu  pudesse trocar informações, mesmo que elas morassem longe, em outro lugar do Brasil.

Eu quero lembrar que na época, não existiam muitas pessoas com quem a gente pudesse trocar ideias sobre música eletrônica em Brasília. Quando eu queria falar de música eletrônica na cidade tinha meia dúzia de pessoas possíveis para conversar, pois ainda não tinha tanta gente ligada nisso ainda.

Essa foi uma das razões iniciais para eu buscar contatos fora de Brasília, eu queria buscar gente, principalmente DJ’s para trocar informações. No início busquei onde eu tinha mais afinidade e conhecimento, que era São Paulo. Eu mesmo voltando a morar em Brasília, depois da minha experiência em SP, continuava indo esporadicamente para lá acompanhar o que rolava. Foram nessas idas e vindas que pude voltar  ao Hell’s Club algumas vezes.

Em uma inclusive, foi a noite que teve um Free Jazz Festival que trouxe a Bjork, e os meus ídolos do começo, o 808 State, isso ainda em 1997. Lembro que o Goldie também tocou nesse evento. Depois dos shows boa parte de quem estava no lá foi para o Hell’s curtir o After. Nem preciso falar que foi um dos mais incríveis. Tenho flashes ainda em minha mente. Lembro inclusive que o Mau Mau fechou a noite tocando Born Slippy do Underwold.

Born Slippy Underwold

Eu continuava tendo contato com alguns DJ’s de SP e nessa época não tinha ninguém se destacando mais no Brasil que o DJ Mau Mau. O que ele vinha fazendo no Hell’s era impressionante. Eu tinha o sonho de fazer um evento com ele em Brasília, mas trazê-lo para cá, naquela época em que os DJ’s ainda não eram agenciados, não era uma tarefa fácil. E era uma época que ele ainda não costumava tocar tanto fora de São Paulo, e se saísse, ia tocar em Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte.

Nunca Brasília estaria nesse roteiro. Acredito que a única referência que eles tinham de Brasília eram aqueles caras que iam dançar em SP (Pedro, André, eu e Marconi). A primeira coisa necessária eu já tinha, que era ter o telefone dele. Nas minhas idas a São Paulo fiz questão de pegar o telefone de algumas pessoas. Era esse o meio de comunicação mais rápido da época.

Essas minhas conexões tiveram seu início no Wlöd, em 1996, quando tivemos a oportunidade de trazer a DJ Paula Chalup para tocar em Brasília. Paula era muito minha amiga e quando eu morava em SP foram incontáveis vezes que fazia questão de buscá-la em sua casa, junto com mais uns amigos, para irmos todos ao Sra. Krawitz. Começamos a nos interessar por discotecagem quase ao mesmo tempo, vendo a dupla Renato Lopes e Mau Mau em São Paulo.

Quando tive a oportunidade de chamá-la para tocar em Brasília, ela veio muito insegura e ainda trouxe um amigo junto, pra não se sentir sozinha e acompanhá-la nessa tocada a mil quilômetros de distância. Nessa época as pessoas tinham receio de vir pra cá, pois não faziam ideia do que acontecia aqui, afinal não tinham muita informação do que estava rolando e de como era o público.

Não podemos esquecer que eram tempos em que os DJ’s podiam passar alguns apuros em viagens para fora de sua cidade, já que as coisas eram mais amadoras, cada um fazia por si, não existia alguém que os agenciasse. Alguns poucos DJ’s estavam começando a trabalhar com contratos para evitar os perrengues.

Pra nossa sorte, quando eles viram o Wlöd ficaram alucinados com tudo, com o lounge, com a decoração, com a localização, com o lugar. Fiquei muito feliz com a vinda da Paula e acho que foi um momento importante e que conseguimos mostrar o que Brasília poderia proporcionar.

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O último respiro do Wlöd Club

No fim de 96 o Wlöd foi vendido pelo dono original para uma dupla de novos donos. Analisando hoje em dia, se o Wlöd tivesse começado com essa dupla a história provavelmente seria muito melhor. Eles tinham mais sensibilidade artística, eram ligados em música e a cabeça mais aberta. Mas, infelizmente a vida noturna é assim, quando a magia de uma casa noturna acaba, é difícil se manter.

Eu já tinha visto e vivido, infelizmente, isso no Sra. Krawitz e percebi que o destino brevemente ia ser fechar a casa. Mas no começo de 97 a casa ainda respirava por aparelhos, ainda tentava funcionar no novo formato. Para completar  a dificuldade do Wlöd, a MiQRa abriu no início de janeiro de 97, no dia 04, e isso atrapalhou ainda mais a continuidade da casa. Mas no último fim de semana de janeiro fizemos uma grande festa e chamamos novamente a DJ Paula Chalup de SP.

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DJ Paula, DJ Kill, DJ Maze One, eu e o Live PA do Fred lobo e Marcelo Martins.

ra curioso que nessa época o Trance em Brasília ainda não era associado ao estilo musical que conhecemos hoje. O Trance nesse período ainda tinha uma conotação muito mais urbana e se referia muitas vezes ao transe que a música poderia proporcionar. Sven Vath era um nome do Trance que eu tocava na época, assim como o selo Stay Up Forever.

Mas esse estilo é mais urbano e diferente do que ficou conhecido como trance posteriormente. O estilo do Trance psicodélico foi começar a chegar ao Brasil no início da década de 90 em Arraial d’Ajuda e Trancoso na Bahia, e eu curiosamente passei o verão de 97 para 98 e 98 para 99 nesses lugares e vi muito disso acontecendo.

Tive a sorte de conhecer lá uma figura importante para cena Trance brasileira, o Krant. Se você quiser ler um artigo que conta com detalhes essa chegada do Trance no Brasil recomendo o texto escrito pelo Jota Wagner, DJ e Fundador da Colors, de SP, que também fez parte dessas conexões que Brasília fez com o Brasil. O encontro com a galera da Colors foi muito importante para Brasília, eles sempre valorizaram os artistas daqui. Link da matéria: https://musicnonstop.uol.com.br/de-trancoso-a-atibaia-contamos-a-historia-definitiva-das-primeira-raves-no-brasil/

Mas voltando nessa festa que aconteceu já na nova fase do Wlöd, ela ainda contou com a presença do DJ Kill, que era Ricardo Novaes (Ric, RIP). Ric alguns anos depois estourou em sua carreira como DJ tocando entre Madrid, Ibiza e Rio de Janeiro como Mr. Spacely. Ainda voltarei a falar dele nos anos seguintes, pois ele foi muito importante para nossa cena também.

A festa também teve o Live PA da parceria que começava a surgir entre Fred Lobo e Marcelo Martins (Nego Moçambique), e também com um mais novo parceiro, o DJ Maze One (hoje Hybrdz). Maze foi um dos caras que eu incentivei muito, pois eu via ele que gostava da música e tinha talento. Ele era frequentador do Wlöd e também passou a ir lá em casa ouvir som, pois eu queria ter mais gente querendo esse mesmo ideal para suas vidas. Cheguei a chamá-lo pra tocar mesmo sem ele ter muitos discos ainda, e ofereci os meus para ele complementar o set. A festa pelo que me lembro foi massa.

A Grande Tenda

Como o Mau Mau era muito amigo da Paula, essas vindas dela para cá foram fundamentais para a próspera negociação da vinda dele para sua primeira tocada em Brasília. Ela me ajudou nisso e falou super bem da cidade. Falou bem das festas que tocou, do público e da experiência que viveu aqui. Falou que ele precisava ver o que estávamos movimentando na cidade, que Brasília merecia uma atenção e que de fato, existia música eletrônica em Brasília.

Consegui fechar tudo com ele depois de alguma negociação, que nesse tempo com o Mau Mau era via telefone e funcionava da seguinte forma: Eu ligava e ele não atendia. Não existia identificador de chamadas e então a ligação caía na secretária eletrônica e e eu começava a falar: Oi Mau, sou eu, Guilherme de Brasília, vamos fechar uma data para você vir tocar aqui?. Às vezes, enquanto eu gravava meu recado ele atendia ao telefone.

Esse era o mecanismo de negociação naquele tempo, sem agência, sem celular e sem e-mail. Puro DDD. Para quem talvez não saiba, DDD é o que chamamos de Discagem Direta a Distância, ou seja, o código do estado que você deveria usar para falar com uma pessoa em outra cidade em um telefone fixo.

Detalhe importante dessa negociação foi que o Mau Mau só topou vir se a gente trouxesse a Paula para vir com ele, afinal ele também não queria vir sozinho. E foi o que fizemos. Paula Chalup e Mau Mau estavam fechados para nossa próxima festa.

Eu já sabia que no sábado seria impossível trazer o Mau Mau pois não teria como deixar os compromissos dele em SP. Era a época do Hell’s Club e as casas noturnas tinham seus residentes e eles não tinham os sábados livres. Fechamos para uma sexta feira e decidimos fazer a festa em um espaço que alugava para eventos no Park Way, a Mansão de Vidro. Uma casa linda e normalmente usada para eventos sociais como casamentos e formaturas. Nós não íamos usar a casa para fazer a pista da festa. Nós, tínhamos outros planos. A ideia era criar esse espaço no jardim com uma tenda, uma Grande Tenda.

A vontade de trazer o Mau Mau para tocar em Brasília era grande, e eu achava que já tinha chegado o momento. Para o projeto me juntei  novamente com o Leo Cinelli e dessa vez teríamos mais um parceiro, o Rogério Aranha, um amigo nosso. Depois de toda a negociação chega o dia do evento. A divulgação tinha sido perfeita, a atenção que conseguimos da mídia na época foi bem boa. Lembro que saiu uma matéria legal no jornal Correio Braziliense no dia do evento, enfim, tudo estava bem encaminhado para que a festa desse certo. Eram outros tempos, e as dificuldades de comunicação eram muito grandes.

Pouquíssimas pessoas tinham telefone celular. Fizemos coisas impensáveis nos dias de hoje, como por exemplo, esperar até as 8h da noite o cara trazer as bebidas pra gelar, sem nem mesmo ter a certeza que ele estava realmente a caminho. Além disso, tivemos o capricho ou a loucura de montar um piso de madeira em toda a pista da Grande Tenda. Nem conto o custo disso.

O terreno não era desnivelado, mas quando imaginamos a festa já pensávamos em colocar um tablado para as pessoas poderem dançar. Nessa época adorávamos essa sensação do grave batendo na pista e das pessoas batendo o pé no ritmo do bumbo e assim marcando as batidas ao dançar. Era uma época em que um grito característico começou a ganhar as pistas da cidade.

Na Grande Tenda, quando algum break de uma música muito boa entrava, era nítido ouvir a resposta da pista batendo os pés no tablado e gritando: Pode Soltar! Pode Soltar! Esse grito fazia referência ao momento que a música fica sem os bumbos, dando aquela pausa para retornar com tudo, e antes que isso acontecesse dava para ouvir as batidas no tablado e o grito da galera pedindo o retorno, até a explosão da música.

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Na montagem do evento acontece o primeiro problema, e ele é relacionado ao bar. Chega o gelo, chegam as tinas para armazenar a bebida, mas não chega o principal, a cerveja. Em uma época que praticamente ninguém tinha telefone celular ficamos ilhados sem saber se eles realmente viriam trazê-las ou se algo tinha acontecido. Resumo: a festa ficou pronta, o gelo estava derretendo e a cerveja não chegava.

Depois de muita angústia, algumas tentativas de telefonemas a cerveja foi chegar por volta de 21h. Hoje em dia, com mais agilidade na comunicação, e na oferta do serviço isso seria facilmente resolvido, mas na época, na inocência e no medo de falhar, tomamos algumas atitudes erradas. O desespero e a inexperiência eram grandes. Quando finalmente chegou a cerveja a vontade de acertar era maior que a razão e a equipe do bar tomou uma decisão desesperada e abriram muitas caixas de cerveja com medo de não gelar e perder o gelo, resultado? Sobrou MUITA cerveja gelada, e tivemos que estocar em um monte de geladeiras por Brasília e ficar tomando por meses na casa do Rogério.

Mas esse foi o único problema e que não refletiu em nada para o público. No geral a festa foi marcante, tão marcante que a Mansão de Vidro nunca mais alugou para esse tipo de evento. Acho que deu mais gente do que imaginavam.

Estávamos vivendo um momento de valorização total em todos os aspectos da noite eletrônica. As festas estavam chamando mais a atenção e as pessoas indo mais aos eventos, mesmo que o lugar fosse distante. Era perceptível que o interesse pela música estava aumentando muito. Lembro-me que era um tempo onde a preparação para sair a noite era intensa e muitos grupos se formavam para se produzir e beber antes na casa de algum amigo. Era uma época que rolava esquenta, rolava socialização antes dos eventos e era legal chegar em grupo para celebrar esse momento de reencontro com as pessoas  que estavam conectadas com os mesmos  desejos, com os mesmos sentimentos de liberdade.

Existia o sentimento de que participávamos de algo realmente novo e que todos poderiam fazer parte. Era um espaço democrático, muito tolerante, e principalmente, bastante intenso e animado. Por anos a pista de Brasília foi reconhecida como uma pista muito receptiva aos DJ’s, e todos reconhecem isso quando vem tocar aqui. Tenho certeza que a pista da cidade é até hoje muito boa em razão da história que vivemos aqui. Para Brasília ter a pista maravilhosa que tem hoje muito se deve as conquistas que foram realizadas ano após ano no passado. Isso é um processo, essas coisas não acontecem do nada.

A festa A Grande Tenda foi um marco, um verdadeiro acontecimento em meio a uma nova era que se mostrava possível. A cidade do rock agora abrigava uma festa para mais de 1000 pessoas, afastados do centro da cidade, em uma grande tenda de circo, com o maior DJ do país, em seu melhor momento da carreira. E como venho mostrando ao longo desses textos, mais uma vez tinham no máximo 2, 3 DJ’s. Isso acontecia pela falta de DJ’s atuantes na cena Techno e House na cidade.

A razão principal era a dificuldade de acesso aos discos importados, não era fácil nem barato ser Dj nessa época. Infelizmente na minha vida vi muitos talentos acabarem não tendo fôlego para continuar a investir em disco e assim poder tocar.

A festa teve também uma apresentação do Live PA do Ten Ko, projeto do Fred Lobo e do Marcelo Martins que vinha conquistando cada dia mais seguidores que curtiam a apresentação da dupla.

TENKO – Fred Lobo e Marcelo Martins (Nego Mozambique)

Outro grande destaque da festa foi o lounge, um conceito que já tinha sido usado no Wlöd e na MiQRa, e que só foi implementado em São Paulo no ano seguinte, em 1998, com o Lov. E Club & Lounge. O nosso foi nomeado de “A Sala Das Mentes Silenciosas”. Esse foi o único espaço que usamos dentro da casa, da Mansão de Vidro. A casa era linda, não sei se deve ser boa para morar, mas para uma festa era maravilhosa, sem dúvida. Dentro de uma sala colocamos um tapete, uns puffs, além de uma maca que seria utilizada pelos massagistas que foram contratados.

Para deixar o clima mais zen, tocava ao fundo uns mantras indianos. A ideia era se acabar de dançar na pista principal e ir ali no lounge respirar um pouco e talvez fazer uma massagem para se recuperar. Lembro que depois do Mau Mau ter tocado e arrasado com a gente na pista levamos ele lá para fazer uma massagem. Estávamos muito felizes com aquela noite.

Essa foi a primeira vez que o Mau Mau veio tocar  em Brasília e nos meses e anos seguintes ele acabou voltando mais algumas vezes. Ele adorava tocar aqui e acabamos construindo, a partir dessa festa, além da amizade, uma bela relação profissional que durou muito tempo. Durante alguns anos eu tinha um canal direto com o Mau Mau que poucos tinham, nem todo mundo tinha o telefone da casa dele.

Depois da Grande Tenda ganhamos mais um parceiro. Mais um frequentador do Wlöd entrou de vez para o nosso time por conta dessa festa, e me deu uma nova parceria que iria começar nos anos seguintes, o DJ Ls2.

“Foi, sem dúvidas, na festa A Grande Tenda que percebi realmente que queria isso para minha vida, eu queria tocar nessa pista, eu queria participar dessa história.”

DJ Ls2

As diferenças de ontem e de hoje

A vantagem dos formatos de line up com poucos DJ’s é que dessa forma todos têm muito mais tempo para trabalhar e controlar a pista, e assim dando os direcionamentos que julguem necessários. Os DJ’s quando tem mais tempo podem arriscar e inovar mais, sem medo.

O formato de hoje 2020, em que temos sets de 1 hora, 1 hora e pouco, acaba atrapalhando um pouco a formação do DJ. Acho que de certa forma os DJ’s das novas gerações tem menos experiência da construção de sets mais longos. A vantagem de sets mais curtos em festas é que possibilitam agregar mais gente em um line up, e isso é bom para o evento, pois acabam sendo chamados mais grupos para a festa.

Porém, nessa época da década de 90, como eram poucos, os DJ’s, eles podiam transitar por diferentes atmosferas sem correr o risco, ou de perder a pista, ou do seu tempo acabar. Hoje em dia, na maioria das festas, os DJ´s tocam sets de 1 hora. Isso gera uma diminuição da possibilidade do DJ arriscar, e quando ele está se formando como DJ poder errar e entender a dinâmica da pista é importante. Vivenciar isso ajuda na formação e na experiência prática da carreira do DJ. Hoje vivemos um dilema de termos muitos DJ’s, em um mundo de muita música e pouco tempo para tocar nas festas.

A volta do Park Dancing

Demos muita sorte em conseguir fechar com o Mau Mau no mês de abril de 1997, pois em junho, o evento que tinha acontecido no ano anterior, voltaria a cidade. Agora ele teria um formato muito mais atraente e de fato chamou mais a atenção do público antenado em Brasília, era a volta de mais uma edição do Park Dancing. E o desse ano de 1997 volta com uma programação muito mais interessante. Eram 4 noites de festas seguidas, quarta, quinta, sexta e sábado.

E, dessa vez, não dava para deixar São Paulo de Fora. Na quarta- feira as atrações foram: Mau Mau e Felipe Venâncio, na quinta: o gringo Jon Pleased Wimmin e Marquinhos Meskita do Rio. Na sexta se apresentou pela primeira vez em Brasília outro DJ que me influenciou no início da minha trajetória, o DJ Renato Lopes de SP, do Sra. Krawitz, o DJ Digit de Chicago e o percussionista Pascal Bongo Massive. No sábado Felipe Venâncio e George Morel (diretor artístico da gravadora Strictly Rhythm), completaram o time de Dj’s.

O evento foi maravilhoso e para quem era DJ e enfrentava as dificuldades e durezas do dia a dia, ver esses dias de movimento e fila no shopping mais importante da cidade foi um sinal claro do que poderia vir pela frente. Saímos da fase do risco de tomar latada de cerveja na cara para ver com nossos olhos um shopping trazer alguns de nossos ídolos. Era uma mudança muito grande em apenas 3, 4 anos.

A noite que o Mau Mau tocou foi histórica, o DJ estava numa fase incrível, talvez a melhor de sua carreira e as pessoas que se deslocaram para ir no evento em uma quarta- feira a noite foram dispostas a dançar muito. Ele já tinha conquistado muitos adeptos aqui por conta da Grande Tenda e tocou pela primeira vez com 3 toca discos nas nossas pistas. Felipe Venâncio também tocou bem e todos voltaram muito felizes para casa. Pra mim, foi a sensação de que algo grande estava acontecendo, que a história estava sendo contada ali, naquele instante.

Nos outros dias, a maioria das pessoas que tinham ido na quarta voltou e alguns novos laços foram criados. Já ouvi de muitos DJ’s que esse evento foi inspirador para iniciarem ou seguirem lutando nessa carreira.

maumau
DJ Mau Mau no Park Dancing 1997

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Link da matéria na Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/6/20/ilustrada/33.html

A nota negativa para esse evento, e que talvez seja uma das justificativas para ele não ter tido mais efetividade na cidade, foi a falta de entendimento de que existia uma cena local em desenvolvimento aqui. Uma aproximação com essa cena seria fundamental para o sucesso do projeto. Não dá para chegar em uma cidade desconhecida, trazendo tudo (artistas e equipamentos) “de fora” e não buscar localmente um canal de comunicação.

A Expansão da cena

Logo após o Park Dancing Mau Mau já começa a dar créditos para a cena de Brasília na saudosa revista DJ Sound onde ele e o DJ Guilherme M, também de SP, tinham uma coluna chamada Musical Science, que era uma excelente referência e fonte de informação na época.

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Revista DJ Sound

Vou colocar algumas músicas desse Top 7 que saiu na revista. As que não colocar aqui aparecerão no final com a compilação de músicas importantes do ano de 1997.

Mould Impression – Bits & Strings

Pacou – Decay ( Surgeon remix)


Freq – Dreamscape

Audio Spectrum – Sex With a Stranger

Jeff Mills – Leader Rouge

Continua em breve.

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DJ Oblongui

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