Entrevista com Hybrdz: uma história de paixão pela música eletrônica.
[TUNTISTUN] Grande Hybrdz, tudo bem? Primeiro que é uma satisfação imensa fazer essa entrevista com vocês, duas pessoas que admiro muito e que são meus amigos há muito tempo nessa luta pela música eletrônica na cidade. Hoje vamos falar um pouco disso tudo, beleza?
Eu queria que cada um contasse um pouco de sua história, onde nasceu e tal, quando vieram para Brasília, sei que os dois são nascidos fora, mas conta aí pra galera.
Sérgio Collares: Nasci em Marechal Hermes no subúrbio carioca em 1968. Brasília tornou-se meu lar definitivo em 93. Pois eu já havia morado de 1978 a 84.
Maroan Kalout: Nasci no Libano 1978 vim a Brasilia em 1989 e aqui eu fiquei!
E como era a relação de cada um com a música na juventude? Antes de descobrir a música eletrônica.
SC: A música era muito presente em minha casa. Cresci em meio ao calor dos discos de quase todos os gêneros, principalmente os nacionais e a voz da minha avó cantando hinos gospel enquanto lavava roupa no tanque. Mas não só isso. As festinhas lá em casa regado a Motown, Jorge Ben e tempos depois a Disco – reunindo parentes e vizinhos da rua – também tiveram um papel importante nessa relação. Nunca fui muito de me ligar nas letras, mas no instrumental.
Pra mim só ele já era o suficiente. Meu maior prazer ou ‘mania’ (como dizia minha mãe) era botar ritmo em tudo que ouvia. Tudo virava música na minha cabeça. Seguindo meu pai nessa coisa de colecionar discos comecei a minha própria. Descobri tempos depois que o que eu possuía não era uma coleção de vinis por si só, mas um conjunto particular de sensações e emoções reunidas. Acho que foi por isso e por esse desejo de que todos pudessem ou deveriam sentir o que eu sentia que me tornei Dj em 1986.
MK: Sempre gostei de musica como qualquer outra pessoa mas nunca tive contato muito proximo com instrumentos etc…Quando cheguei aqui no Brasil tinha muita musica internacional e eu peguei gosto pelos hits da epoca como “SNAP – The Power”e uns Freestyle da epoca tambem, eu realmente gostava dos movimentos de Breakdance e já tinha visto em alguns filmes na minha infancia e isso me marcou muito, acho que aí despertou minha curiosidade pela dança e pela pista!
E quando se conheceram?
SC: Acho que em 1998 em uma dessas reuniões a tarde que aconteciam na tua casa, Dj Oblongui (risos). Pra mim um ano de reencontro com a música eletrônica.
MK: Boa Pergunta mas deve ter sido 1999 ou 2000 e alguma coisa, você deve saber melhor Oblongui, eu conheci o Collares na sua casa rsrsrs
Vivemos na cidade muitas coisas importantes, momentos que nos moldaram como DJs, quais ensinamentos dessa época vocês trazem hoje para o projeto do Hybrdz?
SC: Sem dúvida o ‘improviso’. Até porque fomos obrigados a aprender a criar nossas realidades. Acho que esse ‘instinto de sobrevivência’ adquirido – hoje – nos serve muito bem.
MK: Olha, eu tive o privilegio de ver a cena de perto nascer aqui e ter contato com a primeira geração de djs como Oblongui, Cnun, Sunrise 1, El Galo, Fran, Dj Kill. Esses são meus professores, em especial o Oblongui por ter me apadrinhado e me mostrado o caminho da cabine onde eu ficava ali atento e sempre tentando aprender um truque ou outro e não demorou muito pra que eu virasse dj.
Acho que ter contato com a musica eletrônica naquela época me fez entender hoje o quanto que era difícil produzir e hoje tentamos reproduzr isso misturando equipamentos analógicos e digitais tentando tirar o máximo de proveito da criatividade e com isso improvisamos muito no nosso live!
Como vocês podem descrever a evolução historicamente dos DJs na cidade? Eu me lembro demais dos momentos que passávamos na casa do Sérgio treinando, buscando nos aprimorar tecnicamente. Também vivemos os momentos de mixar em condições na maioria das vezes adversas, quando ter retorno era quase um milagre, quais lembranças vocês tem dessa época?
SC: Minha maior lembrança era a alegria que dava quando conseguíamos realizar qualquer coisa. Desde uma mixagem bem feita até uma bilheteria que se salvava no 0x0 (risos). Acho que a evolução veio junto com a internet e claro a tecnologia. Porém, ao mesmo tempo, também trouxe a desobrigação de muitas coisas, como por exemplo o tempo gasto em pesquisas mais aprofundadas. Por sorte ainda temos Djs mais antigos em ação que possibilitam ou obrigam com que os mais novos não se deixem levar tanto por estas facilidades.
MK: A evolução no meu ponto de vista foi mais tecnologica do que outra coisa! Digo isso por que realmente na nossa epoca era diferente, basicamente tudo no vinil ou seja tinha que ter toca discos e isso tornava a coisa mais cara, então acabei aprendendo a tocar numa CCE e uma Philps que não eram grande coisa mas era o jeito!!! Demorei muito pra ter um par de Technics. Com a chegada do mp3 e cdjs a coisa mudou muito e hoje vejo mais djs mixando de olho na tela do que apenas pelo ouvido mesmo.
E a produção musical, quando e como foi para vocês entrar nessa aventura?
SC: Em 2014 a minha relação com DAW na produção de música era conflitante e não dava muito prazer em trabalhar. Nem mesmo produzir em parceria estava dando muito certo. E para escapar disso surgiu a ideia depois que assisti um video onde aparecia uma bateria eletrônica em ação. Munido de inspiração e com um rascunho da ideia em mente, parti então em busca de um parsa que fosse amigo, que fosse Dj, que tivesse gosto musical parecido e que topasse a empreitada. Não demorou muito pra achar.
Eu ja tinha marcada uma viagem de férias com a família para Berlin no ano seguinte (2015) onde pude adquirir alguns brinquedinhos pra começar. Foi essa combinação de acontecimentos, “luas e planetas” que possibilitou o start inicial dessa loucura beleza. Nos atiramos de cabeça na ideia de que era possível criar um som único e próprio, transplantando técnicas, cacoetes e tiques nervosos de Dj no uso de hardwares.
Porém o hybrdz nunca teve a pretenção de se lançar com tracks bem vendidas no mercado. Nosso foco são as apresentações ao vivo na pista. Nossos poucos trabalhos no DAW estão mais para ‘botar alguma coisa pra jogo’ do que nos firmármos como produtores eficazes de tracks para Djs. A ideia é proporcionar uma experiência única na pista para os e-dancers, literalmente. Até pra nós mesmo! No máximo é se inspirar nos bons momentos de uma apresentação e tentar fazer algo parecido na outra.
MK: Acho que rolou aquela curiosidade de querer aprender a fazer a minha musica já que ficou fácil de certa forma produzir. Porque antigamente era preciso maquinas para fazer um som e hoje vc consegue compor no computador, e quando eu vi o software REASON pela primeira vez acho que isso tem uns 10 anos ou mais; eu fiquei de cara e fui logo aprender a fazer os primeiros beats!
Lá atrás era mais complexo nos dedicarmos a produzir, já era difícil ser DJ e comprar disco, imagina tentar a produção né? Como vocês analisam essa transição de momentos das dificuldades do passado para a facilidade atual, nem tudo são flores?
SC: Naturalmente ou não as dificuldades existem pra todo mundo em algum nível. Mas são bem diferentes das de antes. Lidar com quaisquer que sejam elas e seguir o caminho é que é a questão. Mas até pra lidar com as dificuldades ficou mais fácil. E é aí que entram as facilidades oferecidas hoje. Mas os excessos podem gerar embriaguez. Ficou mais fácil se perder no paraíso chegando a lugar nenhum. No meu caso é uma relação de amor e ódio. Sou meio masoquista. Preciso de um pouco de ‘sofrimento’ pra provocar a criatividade. A coisa é meio esquizofrênica (risos).
MK: Rsrs eu acho que eu respondi isso um pouco na pergunta anterior, mas como eu disse acho que ter acesso a um computador e uma internet trouxe muitas facilidades! Hoje você tem tutorial pra tudo, tá tudo lá! Me lembro que quando comprei um dos meus primeiros hardware o ELEKTRON Analog Four, achei ele tão complexo que eu demorei 1 ano pra aprender o básico até porque não achava videos tutoriais ensinando quase nada dele.
E hoje, qual o sentimento de poder fazer um live na cidade que acolheu vocês, em grandes festas, como a Vapor?
SC: Há muito deixei de me sentir um outsider, um forasteiro. Se o hybrdz servir de inspiração pra alguém acredito que seria uma sensação indescritível em saber. Mas o mais gostoso é poder compor com os mais jovens nas pistas e perceber que a e-music ainda comunica. E sem dúvida o reconhecimento do público faz a pele esticar. Só temos a agradecer a Vapor por ter acreditado no projeto. Foi a primeira a abrir as portas para o hybrdz, inclusive, alguns de seus integrantes tocando música nossa. Foda demais!!!
MK: Incrível! Esse é o sentimento. Poder tocar nosso som que como você já sabe é 90% autoral e de improviso e uns 10% de samples e ter uma resposta imediata da pista é realmente incrível! Ter o reconhecimento em casa é o caminho certo.
E como tem sido a aceitação da música de vocês no mercado?
SC: A medida que o nosso frankstein vai adquirindo uma cara a aceitação do público tende a ficar mais fácil. É um processo lento porém mais seguro e sólido. Preferimos assim.
MK: Bom, eu vejo duas coisas aí, o LIVE e as Produções. Sobre o Live como começamos a tocar em festas há pouco tempo eu vejo a aceitação muito positiva mesmo! A VAPOR e a SUBVERSO abriram um espaço precioso pra gente dando a oportunidade de sentir o calor da pista e vc sabe que a pista de Brasilia FERRRVEEEE rsrs e o publico nos recebeu muito bem!
Sobre as produções temos uma faixa em especial que é bem querida pelos djs de Brasilia que é a ELEKTRO MEDICINE lançada pela COMPACTO RECORDS de Curitiba, essa é uma das que eu mais gosto e vejo que tem sempre uma boa aceitação mas acho que produção é um pouco diferente porque o processo criativo é outro e depende muito da inspiração e tal.
Quais DJs da nova geração da cidade vocês acham que as pessoas devem ficar atentas? Tem acompanhado alguém?
SC: A ISA49 tem me agradado bastante, assim como a Preta.
MK: Boa pergunta! Eu confesso que tenho acompanhado muito o trabalho das mulheres djs da cidade mais do que dos homens e isso porque nos últimos 5 anos tem surgido uma leva de djs incríveis de bom gosto musical e bem dedicadas, algumas delas são produtoras de eventos locais que acabam atraindo público da mesma faixa etária e isso pra mim é super positivo porque vemos que o trabalho feito até agora continua e nada foi em vão, as sementes plantadas lá atrás continuam a dar frutos! Em particular me identifico muito com o som da Giograng tanto como dj quanto como produtora vejo um potencial enorme nela.
Vocês acham que em Brasília valorizamos pouco os talentos locais?
SC: Acho que ainda valorizamos um pouco mais da conta os não locais.
MK: Não necessariamente! Acho que nenhuma cena ou cidade vive apenas dos talentos locais e uma boa parte da cena é composta por djs/produtores que acabam tendo que fazer o seu próprio rolê para tocar e trazem djs e artistas de outros estados para estabelecer um intercâmbio como sempre foi! Acredito que pelo fato da cena Brasiliense não ter se profissionalizado até agora como é em SP por exemplo, isso pode ser umas das causas da má valorização ou de cachês baixos que temos aqui! Talvez seja apenas a realidade de uma cidade de 60 anos de idade…
Um pouco de nostalgia: o que vocês sentem falta do passado?
SC: Djs contadores de histórias
MK: Sinceramente?! Dos Toca discos nas festas rsrsrs Era tão bom ficar de olho no disco girando enquanto o dj tocava e ver as técnicas de mixagens e tal. Um outro feeling se é que me entende!
Qual a melhor coisa do momento atual da cidade?
SC: São os coletivos. Eles são a sua maneira os sustentáculos da cultura eletrônica em Brasília atualmente.
MK: A variedade de festas que temos, o espaço plural que está sendo construído e essa cena renovada.
Vocês passam o dia todo escutando música, fazendo música, como é o processo de inspiração de vocês?
SC: Hoje em dia nem tanto quanto antes. Mas rola de reservar alguns dias pra cada um de nós, cada um no seu tempo e separadamente, produzir seu próprio material como linhas de baixo, produzir e editar samples, praticar algumas notas musicais para solar em algum momento e assim vamos. O que facilita muito é o gosto musical muito parecido que tenho com o parsa e as nossas experiências como Djs. Meio que já sabemos que direção tomar, mas sempre sem saber onde vamos parar.
MK: Escutando todos os dias mas não o dia todo! Sempre variando os estilos pra me inspirar apesar de ouvir mais Techno atualmente. Gosto de buscar bastante os meus ídolos do passado pra ver o que fazem atualmente e onde estão se metendo rsrs
Deixa um recado aí para galera que está iniciando, dizer onde vocês acham que eles devem focar caso busquem produzir, sugestões, qualquer coisa 🙂
SC: Nunca deixe, nem por um minuto, o teu material de trabalho ou qualquer coisa relacionado a Dj no carro. Nunca! (sem risos).
MK: Acho que ponto quando você quer produzir é descobrir primeiro o estilo de som que você gosta e estudar ele, ver como é a levada, a cadência musical, como e quando entram os elementos e o que isso muda na música! Acho que entender o estilo é primordial e depois tentar imitar aquela musica que você mais gosta isso pode facilitar o processo criativo e te dar mais gás! Ler e ver tutoriais sobre as ferramentas que vai usar e não se prender a isso ou aquilo porque não existe uma formula secreta ou magica pra musica, a musica é feeling, e esse feeling pode ser traduzido de varias formas!
Soundcloud: https://soundcloud.com/hybrdz