Dando Close: Balada em Tempos de Crise 6 anos.

Dando um close: Balada em Tempos de Crise 6 anos.

musica eletronica brasilia Balada em tempos de Crise

A Balada em tempos de crise é uma das festas mais icônicas da atualidade. Começou debaixo da ponte e cresceu, e muito, mesmo na crise. Essa festa maravilhosa faz 6 anos nessa semana, e vamos dar um close nessa história com um dos fundadores, Igor Albuquerque.

TUNTISTUN: Quem está por trás da Balada em tempos de crise?

IGOR: Igor Albuquerque, Kaká Guimarães e Babi Bressan

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TUNTISTUN: Conta pra gente como começou a ideia de fazer o Evento Balada em Tempos de Crise. Quando foi e onde foi a primeira?

IGOR: Fala pessoal, primeiramente muito obrigado pelo convite! Será uma honra compartilhar com o Tuntistun um pouco dessa história muito louca. A ideia de organizar a Balada em Tempos de Crise surgiu em 2015, num papo muito aleatório entre eu a Babi, numa noite curtindo um som na Torre de TV. Nessa época eu e a Babi tínhamos acabado de nos mudar da casa em que morávamos no Lago Sul. Era uma república e enquanto estivemos lá (2 anos) era festa sempre! Tivemos de nos mudar por conta da crise financeira de 2015, quando a Babi e meu namorado à época perderam seus empregos. Neste dia na Torre eu falei “cara, olha esse lugar, imenso, vazio, sem ninguém perto. Temos todos os equipamentos de som, temos os amigos, cada um traz a sua bira e bora continuar fazendo festa na rua: isso é balada em tempos de crise”. Eu fiquei viajando nessa ideia por uns dias e fui me animando muito; lembrei que tinha um pico muito louco debaixo da Ponte Jk, por onde passava uma ciclovia, e lá tinha que ser o lugar, afinal nada mais emblemático que “morar debaixo da ponte” para retratar a pindaíba que era viver desempregado numa crise financeira. Como nem eu nem a Babi éramos da cena (eu estudava pra concursos e a Babi é engenheira elétrica),  ela sugeriu de chamarmos um amigo dela, o Kaká, para produzir a festa junto com a gente, já que ele tinha todos os esquemas com fornecedores, tinha o som e conhecia todos os DJs da cidade – o trio estava formado! Uma curiosidade é que o Kaká não botava nenhuma fé na ideia no início e nem curtia o nome hahaha, mas ele e Babi eram muito amigos e ele acabou topando a empreitada.

Fizemos a visita técnica debaixo da Ponte e UAU! Mas lá precisava dar um grande de um tapa. O local estava infestado de baratas e umas formigas monstruosas, saímos de lá todos picados. Tive de pegar na casa dos meus pais cortador de grama e um pulverizador de veneno pra dedetizar o local.

Como não tinhámos nenhuma autorização pra fazer essa loucura, fizemos um evento fechado no Facebook pra chamar os amigos e criamos um mistério, não contando onde seria e fazendo um sorteio pra quem acertasse, sempre soltando umas dicas. O engajamento da galera foi enorme! Quando faltavam 2h pra festa, avisamos o lugar.  A festa ocorreu no dia 16 de março de 2015 e foram cerca de 70 pessoas, todos levando o que iam beber e colocando nas tinas que disponibilizamos com gelo, e aí passávamos o chapéu pedindo que os amigos colaborassem com a gente.

A primeira edição foi um sucesso e os amigos não paravam de pedir mais e, obviamente, o Kaká pirou na ideia e começou acreditar no projeto. Se eu fui o cara da ideia, sem dúvidas o Kaká foi o cara da execução!

De lá para cá muita coisa mudou, sobretudo nossas vidas! Confesso que jamais pensei que seria o empreendedor da night que sou hoje. Sou muito grato à BTC, à Babi e ao Kaká por tudo

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TUNTISTUN: Vocês já fizeram festas em vários lugares diferentes ne? Conta para gente como foi o desenrolar da jornada de vocês até e quais momentos especiais vocês viveram.

IGOR: Nosso primeiro ano de festas foi muito louco! Nessa época estava bem caro sair pra curtir uma balada eletrônica na cidade. Ingressos caros, bares caros e sempre a mesma coisa e o mesmo lugar, eu mesmo não conseguia ver mais valor nesses eventos. O movimento de ocupação de rua com festas ainda era muito tímido na cidade – tínhamos o Confronto e o Picknik que aconteciam às vezes, mas nunca varando a madrugada. Isso tudo nos motivou a continuar com o projeto, que ainda era uma brincadeira para nós.

Decidimos então fazer a segunda edição numa Passarela Subterrânea do Eixão. Escolhemos a da 202/102 norte, por ser próxima tanto do Balaio Café e do 5uinto Bar. Imaginamos que o rolê logo se espalharia por lá e a galera colaria. A gente até deu uma passada nos dois bares falando da festa e convidando. Não deu outra! A festinha bombou, muita gente que não conhecíamos foi parar lá, tanto pelo nosso convite, quanto por estarem passando na hora pelo Eixão. Até ambulante apareceu, para você ter ideia haha.

No terceiro rolê a parada foi crescendo. Criamos Facebook, logomarca e fizemos um evento aberto pra galera ir. O local escolhido foi nosso querido Túnel do Lago Norte. Lá também começaram as viagens do Kaká em ser mais do que uma festa, mas uma instalação artística. A ideia? Pintar o Túnel com glíter. Mais uma vez, tudo na doida, sem nenhuma autorização sequer do GDF.

A quarta festa foi nossa apoteose: a do Panteão da Pátria. Com a ajuda do VJ Boca projetamos nas paredes côncavas do Panteão e foi simplesmente demais! Daí surgiu a ideia de fazer lá a Batalha de VJS e o Torneio VJ Torna, que já teve duas edições. A notícia da festa no Panteão rodou a cidade a partir da hora que divulgamos onde seria e a festa foi um estouro, aos pés do Palácio do Planalto, da Bandeira e do Congresso Nacional. Quem foi, foi, e acredito que jamais esquecerá essa noite.

E aí veio a quinta festa, na Pista de Carrinho de Controle Remoto, do Clube de Aeromodelismo de Brasília, no final da Asa Sul. O local era perfeito! O lugar por onde as pessoas controlavam os carrinhos era um palco gigante já pronto na cidade. Enrolamos Luzinhas de Natal, nossa marca registrada, nele todo e ficou simplesmente lindo! A essa altura toda a cidade já falava da gente e essa noite LOTOU. Deu quase umas 5 mil pessoas e não estávamos preparados pra isso. Nosso som não era suficiente, não tinha banheiros pra geral, o local ficou mal iluminado e muita gente se machucou. Um doido de manhã caiu e cortou a cabeça super grave e tivemos de chamar a ambulância, super morrendo de medo de sermos presos, sem contar que levamos um prejuízo astronômico – apesar de 5k pessoas terem ido, galera não colaborou com nosso chapéu (afinal, não tinham uma afetividade conosco) e os ambulantes invadiram nossa festa e nosso bar não vendeu nada! Definitivamente não dava mais pra gente fazer o rolê na doida e sem cobrar pelo menos alguma coisa – a BTC tinha ficado grande e não tinha mais como correr o risco de rodar com polícia.

Bem nessa época o Kaká estava instalando seu novo escritório no prédio da Faculdade Dulcina de Moraes e teve a maravilhosa ideia de montar o Sub, inspirado na BTC: uma ocupação pública permanente, gastando-se o mínimo possível, com ingressos populares. A BTC foi a festa de inauguração – a primeira que cobramos ingressos: 10 reais.

De lá para cá começamos a nos questionar como seríamos uma Balada em Tempos de Crise cobrando ingresso e não permitindo que as pessoas entrassem com bebidas. Essa era nossa essência e tinhámos muito medo de as pessoas não comprarem mais nossa ideia por conta disso. Ainda não era a época do cancelamento, mas ela já tava se desenhando nas redes socias. Ficamos 2016 e 2017 inteiros nesse limbo, tentando vários formatos, mas sem ter nenhum que nos agradasse. Apenas em 2018, ao fazer a primeira festa da história no Corredor Central do Setor Comercial Sul, onde tivemos a ideia de distribuir gratuitamente 2000 cortesias no Sympla, válidas para quem entrar até 00h, e depois disso ou sem a cortesia com bilheteria a 20 e 30 reais. Distribuir cortesias a rodo nunca foi uma novidade, mas o esse modelo que criamos foi um sucesso absoluto e a cidade toda passou a adotá-lo – o modus operandi de sair em Brasília mudou por completo, ficando mais democrática e acessível.

Também em 2016 começamos a aprender sobre os trâmites de se retirar alvará de espaços públicos. Se um Na Praia da vida ocupava por 2 meses, por que é que não podíamos também? Foi aí que descobrimos que o trampo pra se tirar o alvará para um dia ou para um mês era o mesmo e disso surgiu as ideias de fazer os Projetos de 1 mês de ocupação no Túnel do Lago Norte, no Calçadão da Asa Sul e no Túnel do Touring, onde passamos a atuar como articuladores do projeto, envolvemos vários coletivos da cidade. Disso também surgiu a ideia de fazer a Birosca na Praça Central do Conic.

O que era uma brincadeira virou um business grande.

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TUNTISTUN: Conta pra gente também as maiores loucuras que já aconteceram na BTC?

IGOR: Várias! Histórias sem fim, pra uma tarde toda, mas vamos lá para as que lembro agora.

Na Passarela do Eixão, muito morador de rua passava por lá, mas todos ficavam acuados com a gente. Eis que surgiram dois que começaram a trocar ideia com a gente e perguntaram se ia ser uma festa e o Kaká contador de caôs respondeu “somos diretores de cinema e vamos gravar uma cena aqui do nosso mais novo filme, o Sobre As Ruas”. Os moleques ficaram animados e perguntaram se podiam ficar pra gravação e logicamente deixamos, afinal a casa era deles! Surgiu aí o nosso caô pra justificar todos os nossos eventos no primeiro ano de festas.

No Túnel, a polícia apareceu pela primeira vez no rolê e qual foi o caô contado? O da gravação do filme. Os policiais acharam legal e foram embora. A gente jurava que ia ser rodar hahaha.

Também no Túnel, quando a gente tava passando purpurina nas paredes (inicialmente colocamos só 5 kg, hoje em dia já são mais de 100 kgs nas paredes), os seguranças do Shopping Iguatemi apareceram falando que não podia fazer aquilo e aí o Kaká falou “pessoal, esta é uma obra da artista plástica alemã Bárbara Bressan (falando com sotaque de gringo), isso vai mudar a cara desse Túnel para sempre”. OS caras acharam o máximo e ainda tiraram uma selfie com a Babi haha

A do panteão também tem histórias muito boas! A primeira é que não tínhamos grana pra equipe de limpeza, então quando já era de manhã, eu peguei o microfone e pedi ajuda da galera ajudar a catar o lixo e a festa parou pra ajudar! Depois de limpo, voltamos com o som. Foi lindo de ver! Outra muito engraçada é que quando amanheceu na festa era dia de Troca da Bandeira e nesse dia é proibido estacionar na Praça dos 3 Poderes e a polícia guinchou o carro de geral. Também fizemos essa festa jogando o caô pra Adminstração do Panteão de que seria apenas a gravação do nosso filme Sobre as Ruas. A Admistradora de lá ficou horrorizada e disse que a gente nunca mais poderia fazer nada lá.

Ainda no Panteão, apesar de a galera ter ajudado com o lixo, não cataram as bitucas nem tampinhas de long neck. Tivemos de voltar lá só pra limpar isso. Catamos bem umas 10 mil bitucas, uma a uma. Um dia inteiro abaixando e catando bituca. Dor nas costas? Maaaagina! Nesse dia eu jurei que jamais faria outra festa sem equipe de limpeza.

No Clube de Aeromodelismo até chamamos equipe de limpeza, mas não deu pra nada! Foi muita gente e a pista de carrinho de controle remoto ficou um nojo, todo grudento com bebida. Os responsáveis por lá ficaram indignados e tivemos de ir lá com 2 caminhões pipa, limpar tudo, a gente mesmo. Não adiantou nada meu juramento da festa no Panteão, rs.

O caminhão pipa, inclusive, passou a ser um grande fornecedor nosso. Tivemos de usa-lo outras vezes no Túnel do Touring, que é simplesmente o lugar mais sujo de Brasília que eu já fui. Sem limpar o chão e as paredes de lá era impossível de fazer qualquer coisa lá – cheiro de cocô e de mijo sem fim. Ainda sobre o Touring, nosso projeto de um mês de ocupação lá teve de ser suspenso porque o Eixão caiu – foi frustrande demais!

TUNTISTUN: O que no começo era uma balada para tirar um sarro com a crise, depois virou realmente uma balada de resistência em relação ao cenário caótico que virou, mas nunca imaginamos que chegaria onde está agora certo? Não é mais crise, agora é quase sobrevivência. O que podemos tirar de lição dessa situação toda?

IGOR: Nem fala! A crise nunca esteve tão aguda. E olha que, num passado longínquo, a gente já chegou a pensar que um dia a crise acabaria e a BTC não faria mais sentido, mas nesses 6 anos de caminhada chegamos a conclusão que a crise nunca vai acabar. Ela se aperfeiçoa e muda de feições. E quem diria que ela ficaria tão pesada e difícil! A crise antes financeira agora está em tempos de pandemia, ignorância e negacionismo. Diante disso o tempo também é de saber filtrar, de saber se preservar mentalmente, de saber viver em harmonia no meio do caos, de se cuidar, de FICAR EM CASA e de FORA BOLSONARO.

Mas a lições diante da nossa caminhada são várias:

A primeira delas é que não tem mais como desvencilhar a festa da política. Não existe mais não se posicionar – as pessoas querem frequentar os espaços onde elas sabem que encontraram pessoas que pensam como ela, que tenham os mesmo ideais políticos. Isso de “ai, pra que misturar política com festa” não existe e só vai ficar cada vez mais presente.

Outra lição é que ganhar dinheiro fazendo festa não é fácil e que para que seja lucrativa é preciso minimizar riscos! E quando eu digo isso é cortar gastos e meter a mão na massa, mas sem deixar de contar uma história que cative o público. Esse sempre foi nosso conceito: somos balada em tempos de crise em tudo! Sempre fizemos nossa própria comunicação, nossa cenografia, nossas artes digitais via memes, e sempre fizemos questão de contar essa história, afinal, tudo é storytelling. Além disso, sempre fomos os DJs, somente recentemente abrimos espaço para que outras pessoas tocassem nas nossas festas. Tanto é que nunca fomos conhecidos por Line Ups homéricos, com atrações internacionais ou caras, mas sem dúvidas sempre fomos conhecidos por criar uma experiência única ao ocupar espaços públicos.  Isso tudo garantiu a sobrevivência da BTC, o seu conceito e os outros business que surgiram por conta da festa

Por fim, com a pandemia vimos o quão importante é uma pista de dança e o trabalho dos coletivos da cena alternativa para a saúde mental de todos. Estar numa pista de dança é muito importante para que a gente abstraia de todos os problemas, sobretudo do nosso caos político, e tenha momentos de felicidade, mesmo que por poucas horas, ao lado de quem amamos.

Espero que essa crise sanitária e negacionista acabe logo e sigamos lidando apenas com as outras crises, que agora parecem até fichinha, né?

TUNTISTUN: Mostra pra gente algumas músicas que são a cara da festa!

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Equipe TUNTISTUN

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