Thay Moura é a DJ Preta. Ela é pensadora, artista e talentosa, e hoje abre seu coração ao TUNTISTUN. É uma entrevista para pensar, sentir e se emocionar.
TUNTISTUN: Grande Preta, tudo bem? É uma alegria imensa fazer essa entrevista com você que é uma das pessoas da nova geração despontando como uma das mais talentosas e multitarefas da cidade. Vamos falar um pouco da sua trajetória, beleza?
PRETA: Oi Gui! Hahahah gente, que honra. Eu agradeço pelo convite. Vamos nessa!
TUNTISTUN: Vamos falar um pouco do início de tudo? Conte mais sobre você, onde nasceu e como foi sua infância e adolescência?
Eu nasci em Brasília, tive uma infância feliz e cheia de amor. Minha mãe me teve com 17 anos então posso dizer que foi no mínimo uma infância agitada, hahaha. Ela sempre gostou de fazer mudanças (aos 23 anos eu já tinha me mudado 25 vezes) e uma dessas nos levou ao Rio de Janeiro. Morei lá por 2 anos e foi incrível. Vôlei de praia, queijo coalho e muito biscoito Globo. Saudades.
Voltamos para Brasília quando eu tinha uns 11 anos e eu estudei em uma escola particular, sempre com bolsa de estudos que a minha mãe batalhou bastante para conseguir. Daí já tava entrando na adolescência que foi um tanto estranha: a garota preta em uma escola particular, branca, classe média e católica. Eu não tinha consciência dos meus recortes e muitos acontecimentos me atravessaram e eu não os entendia, então posso dizer que não foi a melhor época, rs. De certa forma isso foi positivo porque me aproximou da música e da arte – tópicos que não existiam na minha casa. Eu corri pra sair dessa escola o quanto antes e entrei na UnB um mês depois de completar os meus 17 anos.
TUNTISTUN: Você sempre foi uma pessoa ligada em música desde cedo? Qual sua relação com a música na sua juventude?
Sabe aquela braba “last night a DJ saved my life”? É isso, rs. A música dá sentido pra tudo.
A minha mãe sempre escutou o que toca na rádio e na época que eu tava crescendo ela tava indo pros clubs, então graças à ela acabei escutando algumas tracks de música eletrônica que chegaram ao mainstream, tipo a Gigi D’Agostino – L’Amour Toujours e a Beni benassi – Satisfaction. Também escutei muito samba na casa dos meus avós paternos. Daí fui desenvolvendo os meus gostos, comecei pelo rock, vivi com força a fase emo… Algumas das minhas paixões adolescentes incluem: Amy Winehouse, The Distillers, Muse, Tame Impala, A Day to Remember, The Runaways, Charlie Brown, MGMT, The Black Keys entre outros. Fui passando por alguns gêneros e tribos até encontrar a música eletrônica com uns 18 ou 19 anos.
Com 15 anos participei de uma banda de rock com uns amigos do Cemso, uma escola pública que fica na 910 sul. Lá rolava um projeto da escola em parceria com a UnB, onde alunos do curso de música orientavam as bandas da escola em ensaios todo sábado de manhã. Chegamos a nos apresentar no Museu Nacional <3
TUNTISTUN: Quando e como você descobriu a música eletrônica?
Com uns 15 anos um amigo querido me apresentou Crystal Castles, que era um som estranho que adorávamos. Eu adorava a Vanished deles. Na época o Skrillex tava alcançando o mainstream e eu escutava bastante também. Sempre curti sons que tavam no meio do caminho entre o rock e a música eletrônica. Nessa época já tava ouvindo Muse e outros rocks moderninhos que traziam influências também. Meu mp3 viva lotado de músicas que eu atualizava constantemente.
TUNTISTUN: Quais foram suas primeiras festas e Djs que te abriram os olhos?
Meu primeiro contato foi em um 5uinto no Club Coat, que fui com as minhas primas e uma outra amiga. Passei a frequentar as festas da Crazy Cake Crew e o 5uinto assiduamente, fui desenvolvendo relações e paixões e lembro que uma coisa foi muito marcante pra mim: em festas de música eletrônica que eu frequentava não via brigas, não via machos sem noção puxando o cabelo de ninguém entre outros comportamentos desagradáveis derivados das problemáticas que atravessam a construção da masculinidade. Isso me encantou. De certa forma eu me senti pertencente à algum espaço pela primeira vez na vida, porque apesar da música eletrônica em Brasília ser majoritariamente branca, ainda é um espaço de respeito ao outro, na maioria das vezes. E é um espaço de liberdade, cheio de estranhos reunidos. Eu que sempre me senti A Estranha No Ninho fiquei aliviada de estar entre outros estranhos, hahaha.
Sem sombra de dúvidas alguns dos DJs que me marcaram desde o início foram o Weirdo, com quem eu tive primeiro contato em uma Rock 2 Drunk e que foi uma das primeiras pessoas que eu conheci na cena eletrônica, o Ahmed, que contém uma história muito boa – esqueci o meu óculos no primeiro Magic Oven que fui e a partir disso começamos a conversar, contei que tava chegando na música eletrônica naquele momento e não conhecia muito, ele me deu um pen drive carregado de brabas, incluindo músicas dele que não haviam sido lançadas ainda, e ele falou: vai, fia! Se joga nessa paixão! Hahahah -, e perrelli também me marcou muito porque foi assistindo aos seus sets brabíssimos que comecei a refletir sobre a diversidade dos palcos.
TUNTISTUN: E logo que você gostou da música decidiu ir pro front de atuação na cena eletrônica? Como foi esse caminho?
Na época em que me aproximei da música eletrônica já fazia parte da Heat junto com a Samira Rodrigues, Renato Luís e João Mazzocante (atualmente ele é sócio do amado Antonieta Café), o Mike também fez parte durante um tempo. A Heat foi um projeto sobre a cultura brasiliense. Atuamos em duas frentes, produzindo eventos e no site, onde criávamos conteúdo sobre Brasília. Nosso lançamento foi feito no rooftop da fadada sede da Red Bull em Brasília, foi incrível.
A partir da Heat eu fui trabalhando cada vez mais em produção de eventos, tanto culturais quanto de promo, em agências de publicidade. Enquanto isso, segui frequentando as festas de música eletrônica, cada vez mais apaixonada… E nessa eu decidi que queria participar da produção das festas eletrônicas também. O meu principal incômodo eram os espaços embranquecidos e masculinizados. Eu tava cansada de estar dançando, curtindo, olhar pro palco e ver homens brancos tocando, t-o-d-a vez. Não quero desmerecer o trabalho de ninguém, não é sobre falta de qualidade sonora, é sobre diversidade – e as questões centrais da cultura da música eletrônica. Representatividade é importante porque faz com que as pessoas se sintam possíveis. É sobre isso. Eu precisava me sentir possível.
Juntei toda a cara de pau que existia em mim e simplesmente pedi pra entrar no circuito. Conversei com o Ahmed, com quem eu tinha certa proximidade na época, e expliquei que trabalhava com produção de eventos, que queria trabalhar e participar do rala dessa cena brasiliense incrível. Deu certo! Hahaha o Crazy Cake conversou internamente e entramos eu e a Nanda Picorelli, na mesma época.
TUNTISTUN: E mais recentemente você entrou no caminho da discotecagem, como foi essa caminhada?
Após alguns anos na produção e no rala, finalmente criei a coragem para assumir para mim mesma que eu queria ser artista, hahahahah. Ainda incomodada com a representatividade nos palcos eletrônicos brasilienses e me educando cada vez mais sobre a cultura da música eletrônica, decidi fazer algo a respeito mais uma vez e informei o CCCP que eu queria ser DJ também. Fui abraçada, incentivada e ajudada de todas as formas possíveis. O Crazy Cake é uma grande escola pra mim e os DJs do coletivo me ensinaram muitas coisas.
TUNTISTUN: Diz para gente 5 músicas que te marcaram no início da sua descoberta na música eletrônica?
Ah, que delícia! The Orb com Little Fluffly Clouds, sem sombra de dúvidas é a primeira. Tem também: Charlie – Spacer Women, Sun Ra, Theo Parrish, Anna Wall e Thoma Buller – Patience, Private Pass, Four Tet, Ricardo Villalobos, Terr – Metropolis, Xosar – Night Jam (e várias outras dela), Perrelli – várias, mas na época em especial a BAD TRIP, Nina Kraviz – Best Friend, Losts Souls Of Saturn, Stephan Bodzin – Sonnenwind, Claro Intelecto – Chadderton (toquei muito!), So Inagawa – Selfless State…
TUNTISTUN: Você está envolvida com vários projetos, coletivos e atuações. Recentemente fez um trabalho acadêmico muito importante, conte um pouco do seu projeto, das suas observações, e o que devemos olhar com mais atenção na cidade para seguirmos em um caminho legal?
Bom, chegou a hora de fazer o meu trabalho de conclusão de curso e eu queria pesquisar algo que realmente fosse do meu interesse. Na época eu já tocava como DJ preta e queria trazer mais sustância para a causa que eu tava levantando ali, mesmo sabendo que só por estar no palco já fazia muita diferença. Como mencionei acima, a questão racial dentro da música eletrônica sempre foi uma pulga atrás da minha orelha e decidi me dedicar a essa investigação.
Inicialmente quis entender o processo de embranquecimento dentro do techno, levando em consideração que ele nasce nos Estados Unidos pelas mãos de homens negros mas hoje em dia é um movimento intensamente embranquecido. Mas no meio do caminho entendi que eu ia ter que pesquisar sobre a house também, pois afinal, como eu ia falar do techno sem falar da house music? O projeto acabou se tornando “Do preto ao branco: Uma pesquisa inicial para compreender o processo de embranquecimento da música eletrônica”. Esse trabalho me levou para muitos lugares essenciais para o crescimento individual. Por conta dele participei de diversas matérias de estudos raciais na UnB e conheci pessoas incríveis, e de quebra ainda tive o prazer de apresentá-lo em um Colóquio de Estudos Raciais em São Paulo.
Ao meu ponto de vista, o principal ponto em Brasília que precisa de atenção é que precisamos enegrecer os palcos. Precisamos abrir portas para novos DJs pretos e pretas, e esse é um dever de todos nós. Precisamos nos movimentar para que isso aconteça. Para além de uma questão de reparação histórica, porque é também, devemos lembrar dos alicerces da cultura eletrônica. Eu acredito que é o nosso dever respeitar e honrar as raízes desses sons.
A grande verdade (do meu ponto de vista, novamente) é que sem a produção preta, a produção musical mundial seria completamente diferente. A ancestralidade que nos acompanha traz consigo muitos ritmos e isso corre em nossas veias, independentemente de para onde a diáspora tenha nos levado. Eu acredito muito nisso.
TUNTISTUN: Tem algum(a) Djs da nova geração que você acha que merece a nossa atenção?
Roupas Preta, Alexa K, Ana Ramos, Pal, Paulete LindaCelva, John, Leriss, Nora, Pianki, Félix, Slow, Suelen Mesmo, Yazzus… Muita gente braba.
TUNTISTUN: E como é o caminho para um DJ novo aparecer na cena, quais são as dificuldades?
Cara, acho que o primeiro tópico de todos é o acesso aos equipamentos. É uma profissão que exige um investimento inicial considerável se falamos de controladoras e alto se falamos de CDJs + mixer. Acredito que muito do processo de tornar-se DJ é sobre a rede de apoio, nós precisamos nos ajudar. Trocar conhecimentos, compartilhar equipamentos e trazer cada vez mais gente para ocupar esse espaço também.
Uma das dificuldades que tive foi ter cara de pau, rs. Me ajudou e me trouxe até aqui, mas não foi fácil, principalmente quando cheguei na parte de me encarar como artista e subir no palco, ter confiança no meu trabalho. Sofri. Tem sido uma uma baita lição.
TUNTISTUN: Pode indicar 5 músicas mais recentes que você tem curtido?
Eu vivo ciclos obsessivos com a música, sabe. Rs. De tempos em tempos acho novas paixões avassaladoras. Desde 2019 eu vinha no exercício de conhecer mais músicas brasileiras e quando a pandemia entrou eu mergulhei mais ainda nessa pesquisa. Tenho escutado muito rap nacional… Os vícios atuais são o álbum Espiral de Ilusão e o Convoque Seu Buda do Criolo, RUNNING do Febem, Boogie Naipe do Mano Brown (putz, esse cd.. é IRRESTÍVEL!) e o Nada Como Um Dia Após o Outro Dia, dos Racionais. Basicamente, esse combo é responsável pela minha sanidade mental sendo BR em 2021. Acompanho também o Brasil Grime Show que lança várias brabas e por lá conheci a N.I.N.A. Que voz, meu pai.
TUNTISTUN: O que você acha da pista da Brasília?
AAAAA!!
Alerta gatilho!!! MEU DEUS QUE SAUDADE….
A pista de Brasília é uma delícia, cheia de amigos, a galera se respeita, não tem briga, todo mundo dançando e vibrando junto… E a gente se entrega mesmo, né? Credo, chega tô arrepiada.
Um clássico sobre produzir festas por aqui é que a pista de Brasília é marcante para DJs de outros estados também. A galera não conhece, vem pra cá e no dia seguinte pira. A nossa pista é brabissíma! Quente! Ai, que saudade.
Gui, obrigada pelo convite! <3