Free Party e Teknival: A história da Spiral Tribe e o surgimento de uma diferente cultura rave na Europa
Na década de 1990, o Reino Unido vivenciou um momento de repressão às raves orbitais do acid house, que haviam perdido sua euforia inicial. A ascensão da cultura mainstream dos clubes comerciais, com ingressos a preços exorbitantes, havia minado a energia criativa e a promessa radical do “segundo verão do amor”. Com a recessão econômica começando a afetar o país, o futuro das raves parecia incerto.
No entanto, um novo movimento underground começou a surgir com uma ideia radical: por que não levar essas festas além do hedonismo de fim de semana e rejeitar a relação comercial entre os frequentadores e organizadores do evento? A proposta era fazer festas gratuitas, sem fins lucrativos.
Esse movimento, conhecido como free party ou tekno party, surgiu como uma forma de resistência às restrições impostas pelo governo e à cultura mainstream dos clubes comerciais. Os organizadores dessas festas buscavam criar uma experiência autêntica e genuína de música eletrônica e cultura rave, sem as pressões comerciais e a exploração financeira que haviam se infiltrado na cena.
No entanto, o governo britânico respondeu com uma repressão ainda mais intensa, aprovando o Criminal Justice and Public Order Act 1994, que impôs várias restrições e penalidades aos organizadores de raves e teve um impacto significativo na realização de raves e festas de música eletrônica na Inglaterra.
O ato introduziu várias medidas que dificultaram a realização de raves na Inglaterra, incluindo a autorização prévia necessária para a realização de eventos em locais públicos, além da possibilidade de os organizadores serem responsabilizados criminalmente por distúrbios públicos ou danos causados durante as festas.
Além disso, o ato também ampliou as possibilidades de a polícia intervir em festas e desocupar locais ocupados por ravers, o que levou a uma repressão mais intensa e frequentes operações policiais em festas de música eletrônica.
Essas medidas tornaram a realização de raves e festas de música eletrônica na Inglaterra muito mais difícil e arriscada para os organizadores, e muitos coletivos e artistas foram forçados a mudar para locais alternativos ou a desistir de realizar eventos. Isso afetou significativamente a cena rave na Inglaterra e levou muitos artistas e coletivos a se mudar para outros países europeus onde as restrições eram menores.
Mesmo assim, o movimento free party e tekno party continuou a florescer na Europa e em outros lugares, inspirando uma cultura de resistência e liberdade que perdura até os dias atuais.
Os Sound System, como o coletivo anárquico DiY de Nottingham, e o Spiral Tribe de Londres, com sua imagem secreta de culto, começaram a surgir em todo o país. Eles buscavam oferecer uma alternativa aos eventos de clubbing mainstream, criando festas em pequenas ocupações, armazéns e áreas abandonadas, que serviam como antídoto para o consumo de drogas, violência e comercialização das raves comerciais.
Com a intenção de promover uma cultura radical e livre de amarras comerciais, esses coletivos passaram a se aventurar pelo que restava do circuito de festivais gratuitos, onde descobriram uma cultura ainda mais antiga – a dos Viajantes da Nova Era. Esses últimos, mesmo após as tentativas do governo Thatcher de destruí-los durante a década de 1980, ofereceram aos ravers urbanos um vislumbre da liberdade e da conexão com a natureza que tanto almejavam.
Nesse contexto, os organizadores de festas começaram a optar por locais abandonados, florestas e áreas rurais isoladas, onde as autoridades tinham menos chances de intervir. As festas gratuitas de música eletrônica, organizadas em locais públicos se tornaram conhecidas como free parties.
A Spiral Tribe foi um dos Sound Systems pioneiros na organização dessas festas gratuitas, que foram se tornando cada vez maiores e mais frequentes, abrangendo não apenas a Inglaterra, mas toda a Europa.
No início, esse encontro de viajantes e ravers foi problemático, pois antes os eventos familiares começaram a se transformar em raves de 72 horas. Mas, gradualmente, as duas tribos começaram a se fundir, e esses festivais gratuitos começaram a crescer em número, de centenas, para milhares, para dezenas de milhares, apenas de boca em boca. Isso culminou em Castlemorton Common em maio de 1992. Manchetes de notícias da TV por uma semana, entre 20-60.000 ravers e viajantes festejaram por 7 dias. A mídia agora tinha seus demônios populares do dia.
O establishment britânico reprimiu pesadamente com força e legislação, prendendo vários membros da Spiral Tribe e outros sistemas de som.
A opressão policial e a violência os forçaram a virarem também viajantes. A Spiral Tribe e outros Sound Systems partiram então para a recém-criada UE (União Européia) onde pegaram seus ônibus e levaram seus sistemas de som para estrada, inspirando uma geração de jovens locais a criar suas próprias utopias, incluindo os enormes ‘Teknivals’. Enquanto isso, DiY se dirigia para San Francisco, conectando-se com os remanescentes da alegre geração Merry Pranksters.
A partir dos anos 90, o Sound System que combinava crenças pagãs, com os viajantes da Nova Era e a rave para formar as teknivals. As Teknivals se tornaram a expressão máxima desse movimento.
A Teknival é um tipo de festival de música eletrônica, em que o techno é o gênero predominante. Esses festivais são caracterizados por serem gratuitos e geralmente realizados ao ar livre, em áreas remotas e abandonadas.
A cena Teknival começou a surgir no início dos anos 90 na Europa, especialmente na França. O primeiro Teknival registrado ocorreu em 1993, em uma cidade no centro da França e teve a participação da Spiral Tribe. A partir daí, a cena Teknival começou a crescer em popularidade e se espalhar por toda a Europa.
Os Teknivals geralmente ocorrem durante vários dias seguidos, e os participantes acampam no local do evento. Além da música eletrônica, os Teknivals também são conhecidos por sua atmosfera de comunidade, com uma ênfase na liberdade individual e na rejeição dos valores da sociedade convencional.
Os Teknivals são frequentemente associados a um movimento chamado “teknivalismo”, que tem raízes na cultura rave e na contracultura dos anos 60 e 70. O teknivalismo é caracterizado por uma postura política de resistência contra o capitalismo e o controle estatal sobre a cultura e a música.
No entanto, a cena Teknival também tem sido criticada por alguns, por causa do uso de drogas e álcool em excesso, bem como pelo seu impacto ambiental negativo, devido ao grande número de pessoas que frequentam os eventos. Alguns governos também têm reprimido os Teknivals, considerando-os ilegais, e têm utilizado forças policiais para dispersar os participantes.
Apesar disso, a cena Teknival continua a crescer em popularidade em toda a Europa e em outras partes do mundo, com eventos ocorrendo regularmente em vários países.
As Teknivals eram caracterizadas pela rejeição da sociedade convencional, da autoridade e das restrições legais e policiais em relação às festas de música eletrônica. A música, a dança e a liberdade individual eram os principais valores dessas festas, que eram frequentemente associadas a um movimento político de resistência ao sistema.
Assim, o movimento free party e as Teknivals estavam intimamente ligados à cultura rave e à contracultura dos anos 60 e 70, e eram vistas como uma forma de se rebelar contra as normas e valores da sociedade dominante. A Spiral Tribe e outros coletivos de festas de música eletrônica foram pioneiros nesse movimento, que ainda influencia a cultura rave e a música eletrônica na Europa e em outras partes do mundo.
30 anos depois, a dance music e a cultura dos festivais são o meio dominante da juventude, de Glastonbury a Coachella. Mas com o aumento de regimes autoritários, austeridade sem fim, bem como questões globais como o colapso climático, vemos uma cultura radical ressurgente, com suas raízes nas Free Parties dos anos 90.
Ela está chegando com toda a força!
Escute um set de 1994 do Spiral Tribe: https://soundcloud.com/djmag/spiral-tribe-r-zac-live-in-trebic-czech-republic-1994