Madamy: A importância da luta e da arte na noite
Madamy é arte pura. Artista respeitada na cidade, dona de uma energia encantadora, também é uma das Djs mais importantes de Brasília e hoje ela conta sua história de lutas e conquistas.
TUNTISTUN: Linda Madamy, tudo bem? É uma alegria fazer essa entrevista com você que certamente é uma bela surpresa de talento da cidade. Vamos falar um pouco da sua trajetória?
MADAMY: Oi, Gui. Indo na tranquilidade, como possível no meio dessa loucura que estamos vivendo. E muito feliz pelo elogio e grata pelo convite. Vamos falar sim da minha trajetória, vai ser tudo.
TUNTISTUN: Vamos falar um pouco do início de tudo? Conte mais sobre você, onde nasceu e como foi sua infância e adolescência?
Vamos sim, Gui.
Começando né. Eu nasci no dia 12 de Fevereiro de 1995, sou do signo aquário, e nasci num domingo de carnaval em Brasília mesmo. Quando nasci, na época, morávamos no Gama, mas durou uns 6 meses, logo mudamos para Taguatinga, onde vivemos até os meus 20 anos de idade. Hoje moro no Guará . Eu era uma criança muito faladeira, e até hoje sou, sempre gostei muito de conversar, de fazer loucuras, contar piada, ou seja: uma verdadeira palhaça.
Minha família é bastante católica, e herdo até hoje muita dessa vivência que durou até os meus 15 anos de idade, mas eu não sou cristã, nunca mais serei. Eu era uma criança viada, e isso foi algo que influenciou muito na minha essência e no que sou hoje. Sempre me inspirei muito em figuras femininas como minha mãe, minhas avós e minha madrinha. Passei por muito preconceito, dentro de casa, na própria família, e na escola nem se fala. E isso me marcou muito mesmo, eu já tava meio que acostumada a sofrer com a vida, sabe? E nessa época, havia um super silenciamento dessas coisas, e a falta mesmo de tato das pessoas com esse assunto me fez com que eu me sentisse sempre um corpo estranho, diferente, fora do normal e contra tudo. Além disso, eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Mas também foi um processo de não entendimento de todas as partes, e à medida que o tempo foi passando, esse entendimento foi ficando cada vez mais claro e mais respeitoso, principalmente hoje em dia.
Porém, foi isso, eu era uma criança católica, e seguia muito do que se dizia na Igreja, já cheguei a me culpar e rezar pra que Deus me libertasse da homossexualidade. Já cheguei a ser catequista na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Taguatinga. Eu e minha mãe, já rezamos novenas, e acendemos velas de pentecostes pro meu pai parar de beber, convertemos meu pai, ele entrou pra igreja, se crismou, entrou na catequese e eu sou o padrinho dele (sim, do meu pai). Coroei Nossa Senhora diversas vezes e fazia diversas orações coletivas para toda família nas reuniões de domingo.
Mas em dado momento, eu precisei sair da igreja, porque não tinha mais sentido pra mim estar em um lugar que não me cabia. Não tinha reza pra algo que não tem cura, e que não é doença. Nesse momento da minha vida eu tinha 15 anos, estava entrando no ensino médio e já tinha meus amigos rebeldes. Comecei a ficar com uns boyzinhos e larguei bruscamente a igreja. E claro, não foi uma coisa do nada, assim que comecei a estudar sobre a história do cristianismo, eu já era nesse momento um questionador dos padrões do mundo que estava disposto a minha frente e eu queria muito mesmo fazer uma revolução em tudo o que eu podia.
Na escola participei das mostras anuais de teatro e também fiz algumas oficinas gratuitas oferecidas em Brasília e comecei a me colocar em vários eventos das artes: teatros, shows, festas, feiras e etc.
Pra completar, decidir estudar Artes Cênicas e passei no vestibular na UnB, daí a partir desse momento eu pude entender mais os limites do meu corpo e desfrutei de liberdades que eu mesma me concedi, pois no mundo das artes cênicas, tem muita gente livre e inspiradora, o que me possibilitou diversas mudanças até onde eu cheguei agora. Foi um super desafio essa coisa de me colocar cada vez mais meu corpo no mundo e entender os caminhos que o meu gênero poderia percorrer, e apesar de louco hoje sinto estou cada vez mais perto da figura que eu desenhei em um sonho passado quando eu era criança.
TUNTISTUN: Qual a relação da música com sua juventude?
A cada dia que passa, vou tentando me livrar de preconceitos. E estudar Artes Cênicas foi muito importante porque no curso a gente aprende muitas vertentes artísticas para a realização de uma arte cênica, então desde o primeiro momento do curso, gostei muito das matérias que estavam relacionadas a questões musicais. E na época eu estava aprendendo a tocar teclado, então as coisas meio que se casavam e em diversos processos artísticos que fiz parte no curso, eu me colocava muito mais nas coisas relacionadas a sonoplastia do teatro. E a música nunca deixou de me acompanhar. Também fiz algumas matérias na música e cheguei a estudar piano popular por dois semestres com um professor particular aqui no Guará.
Sempre fui muito eclética e dentro da minha casa, o meu pai que é apaixonado por música e pesquisava bastante com cds, vinis e fitas de música popular brasileira em geral (músicos mineiros, cariocas, cearenses, pernambucanos, baianos), meu pai sempre teve um gosto bem interessante e eu sempre ouvi tudo o que meu pai tinha em casa, e era muita coisa.
E assim, na época infância/adolescência eu tinha uma grande admiração e me inspirava muito em artistas que eu ouvia. Comecei muito com a Britney Spears e o pop em geral. Ouvir Britney no meu quarto sempre me fez sonhar muito sobre como eu poderia ser uma estrela como ela, e eu dançava, rebolava, fazia shows e turnês.
Gosto muito de rock, da psicodelia, de folk, indie, punk, progressivo, enfim. Depois de muito tempo, hoje, olho pra tudo o que eu vivi com relação a música, percebo as reviravoltas e gosto de como as coisas aconteceram. Teve um momento da minha vida em que eu quis ser pianista, eu queria trabalhar com música, e sempre foi uma busca minha.
Acredito que a música é uma arte que faz a gente sonhar, e várias vezes me pego vivendo uma música. Então, sempre, até hoje, eu escuto músicas que são como terapias pra mim, sabe? Que me levam pra lugares, que me fazem sonhar, que me curam, que me deixam feliz, que libertam de algo, ou que me proporcionam viajar com outras pessoas.
Então, hoje, fazendo parte da Limbo e do Beco Elétrico, movimentos musicais da cidade, encontro uma espécie de liberdade para fazer e ouvir sons na vida, assim como eu via as pessoas que eu idolatrava lá atrás. E enxergo tudo como parte de um caminho que fui traçando.
TUNTISTUN: Quando e como você descobriu a música eletrônica?
A música eletrônica eu descobri quando eu ia pro Quinto, eu amava, mas não sabia muito bem do que se tratava. Cheguei a ir nuns rave, só que não gostei. Aí teve uma vez que fui em um festival de trance no Goiás com a Kedi Neo. A Kedi, minha amiga Nathalia Azoubel, está comigo nessa jornada desde muito tempo. Gostei bastante do Dark eletrônico, mas nessa época não me pegou tanto.
Depois de um tempo, em 2017, Eu e mais várias amigas, incluindo a Kedi, tínhamos um grupo de performance com maquiagens bem fora do comum, e a Kedi já estava curtindo algumas festinhas no CONIC nessa época, e começamos a performar em diversas festas do circuito eletrônico de Brasília, foi nessa época que conheci a Balada em Tempos de Crise, Grau, Vapor e também a Limbo, que surgia nesse período e pude acompanhar de perto o crescimento do Kurup e da Jaçira nessa jornada de construir um rolê com eletrônico na minha frente, e foi sempre uma inspiração pra mim essa dupla de grandes amigues que tenho.
TUNTISTUN: Quais foram suas primeiras festas e Djs que te abriram os olhos?
Kurup e Jacira, por serem minhas amigas, eu pude várias vezes ver de perto o que eles faziam enquanto tocavam, e isso sempre me despertou curiosidade em como tocar nos rolês. E o Kurup, antes mesmo de começar a Limbo e tocar com Jaçira, teve uma apresentação dele com um brother no subsolo do Balaio, que me marcou muito porque ele tocava o som no mixer mas também tinha um microfone que ele revezava com o amigo cantando, fazendo uns sons malucos e com uns instrumentos de sopro.
E aí claro, o momento em que eu comecei a me aproximar mais da cena, no sentido de identificar mais os rolês e o que se passava, foi no ano de 2018, quando frequentei várias festas como a Limbo, Crying Club, Sujo, Confronto Soundsystem, Balada em Tempos de Crise e Vapor. Acho que cada uma dessas que citei acima tem uma especificidade sonora e de festa muito maneira que gosto de fazer parte sempre que rola, e sou apaixonada.
Teto Preto é um trabalho que me chamou muito a atenção quando conheci, porque era uma coisa feminina, brasileira, queer e eletrônica: sempre amei demais.
TUNTISTUN: E logo que você gostou da música decidiu ser Dj? Como foi esse caminho?
Cara, uma coisa muito legal é a minha história com a música e como o meu passado vem voltando cada vez mais no presente.
Quando eu tinha uns 15 anos, minha prima Mariana, tinha um piano elétrico maravilhoso encostado na casa dela, e eu, na época era muito fã da Gaga (e ela tava bem naquela fase de ficar fazendo versão de piano com todas as músicas), eu decidi que queria tocar e peguei esse piano por um 5 anos e depois que minha prima vendeu ele, comprei um teclado da Yamaha. No período das Artes Cênicas cheguei a ter uma banda de rock psicodélico tropicália com a Kedi Neo e outros amigos. A banda durou um ano. Mas ainda assim continuei treinando música.
Quando eu tinha uns 19 anos, toquei como DJ em algumas calouradas das Artes Cênicas e fui convidada também para tocar em 03 festas do Baile Dionisíaco no Sub Dulcina, nessa época eu tocava um rolê mais latino, cumbia, brasileiro, mas nem mixava direito. Usava o virtual DJ e fazia umas transição bem ruim.
Aí a Kedi, essa minha amiga maravilhosa que tenho, depois de um tempo, me chamou pra tocar num evento que ela tava fazendo na Toca 55 (um espaço colaborativo ali na Asa Norte). Eu já estava nessa época pesquisando mais sobre a música eletrônica, e aí um amigo, Dan Scartezinni, me ajudou com esse rolê de mixar e eu mandei bala. No dia foi tão massa, que já saí do rolê com uma Gig, o Igor Albuquerque me convidou pra tocar na Lust.
Depois disso, não parei mais de tocar, foi bem no momento que entrei na Limbo e assim fui construindo cada vez mais a minha identidade sonora. Que eternamente vai se construir junto com a minha caminhada. Minhas amigas me motivam muito nesse rolê e a cada dia que passa venho me apaixonando mais pela música.
Em 2018, antes de ser DJ, eu também produzia umas músicas no Garage Band, e tenho uma pérola lançada com minha amiga Tita Maravilha que fez questão de que gravássemos e lançássemos antes de ela ir pra Portugal, que tá disponível no link aqui:
No início de 2021, eu me dedicando apenas em ser DJ, Tita retorna ao Brasil, e gravamos uma nova canção que em breve será lançada. Hoje já com outra cabeça, estou estudando a produção musical com o mestríssimo Ramiro Galas e tem sido muito incrível, pra alimentar esse meu fogo de ideias e tenho aprendido muita coisa com ele e to bem empolgade com a Madamy que vem por aí.
TUNTISTUN: Diz para gente 5 músicas que te marcaram no início da sua descoberta na música eletrônica?
Quando A Alma Não É Submissa (Linn Da Quebrada + DeadCombo W: Xinobi Mashup) – Cigarra
Gypsy Woman – Crystal Waters
Frank Sinatra – Miss Kittin
Cosmossamba – Thomash & Projeto Mujique
Pain the Ass – Nina Kraviz
TUNTISTUN: Você participa de uma das festas mais criativas da cidade e do Brasil, a LIMBO, conta pra gente o início desse rolê, os ideais, o propósito e quem faz parte dele?
Então, quando Limbo nasceu em 2016, eu ainda não fazia parte da produção do rolê, quem começou idealizando o rolê foram: Renato Rocha (Kurup), Fernanda Wurmbauer (Jaçira) e Luan Autuori (Louie Blue). A ideia sempre foi agregar diferentes linguagens artísticas para produzir um encontro de músicas eletrônicas e pessoas, na qual chamamos de Festa Espetáculo. Nossos ideais são de promover festas seguras e que proporcionam a liberdade dos corpus e protagonizamos todo corpo dissidente dentro do nosso espaço.
Em 2018, Renato e Fernanda foram pra Portugal e a Limbo ficou parada, até o mês de Abril, quando eu e Nathália Azoubel (Kedi Neo) entramos pra Limbo no intuito de integrar junto com o Luan nesse núcleo de produções, e voltamos com a festa que rendeu 05 edições em 2019 e dois blocos de carnaval.
Hoje fazem parte da Limbo: Kurup, Jaçira, Luan Autuori, Kedi Neo, Olívia Rocha, Dan Scartezini, Babi Bressan e eu.
E somando bem cada experiência que todes têm, a gente já trouxe performance, banda, liveset, djset, cenografia, instalações interativas, lounge, dança e loucuras limbáticas.
TUNTISTUN: Certamente a Limbo e você devem ter histórias maravilhosas nessa jornada, conta pra gente algumas coisas que aconteceram de legal nesses anos de festa?
Coisas que acho muito massa é quando a gente faz bagunça em lugares diferentes que fazem a gente somar novas experiências e conhecer cada vez mais a diversidade da cena cultural do DF. E nesse período de 2019 e início de 2020 foi muito frutífero.
Gosto muito de quando conhecemos o pessoal do Mimo Bar que estava produzindo a Ocupação Contém na Piscina com Ondas e pudemos realizar duas lindas edições em um espaço que nunca imaginei que eu pudesse estar fazendo parte. Também em seguida integramos a cenografia do Festival Ocupa, que aí já foi um outro tipo de trabalho e muito produtivo também.
Outra situação interessante foi quando graças ao No Setor e ao Carnaval de Todas as Cores tivemos um Pré-carnaval com o Confronto Soundsystem, na qual foi uma experiência marcante, e o nosso primeiro Bloco de carnaval que tinha milhares de pessoas.
E no ano novo, de 2019 para 2020, fizemos uma mini rave downtempo com outros coletivos que somam em ideias parecidas, na Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo. Foram junto com a gente: Quack, Serenight e Complexxa. Foi babado.
TUNTISTUN: Indica gente da nova geração que toca ou produz, que você gosta? Quem vale a pena ficarmos atentos?
Recentemente chegou na Chapada dos Veadeiros uma produtore musical que vale a pena geral ouvir, Numa Gama:
Uma amiga, essa da Bahia, multi tudo, paixão total: Iru Wav, albúm a seguir:
E as revelações pandêmicas: amando a vibe da Jhonat e o coletivo Bruta 420 (só mulheres incríveis, admiro e venero também).
E me aguardem: em breve chegarei com novidades pra esse Brasiu.
TUNTISTUN: E o que você gosta de transmitir em seus sets? O que você busca oferecer ao público?
Transmitir: confusão, gritaria, babado, jogação, fineza, elegância, amor, putaria e tesão.
E partindo desse lugar de que a música é algo subjetivo, assim que ela chega na gente, eu tento dividir a minha parte subjetiva, ou seja, a música que está dentro de mim, com o momento e pessoas.
E ao transmitir tudo isso, ofereço através da música o portal para que cada um possa sentir livre no corpo que tem. E por eu ser uma pessoa não binarie, e dentro de um não padrão de gênero, acredito que é possível gerar pistas em que pessoas como eu possam se sentir em casa, pelo som e por tudo que isso pode representar em qualquer espaço em que se tem novas protagonistas da história.
TUNTISTUN: E o que você curte além de música, tem mais algum assunto que te apaixona?
Eu amo cozinhar. Cozinhar pra mim e pra outras pessoas. É uma coisa que aprendi com a minha mãe desde os meus 7 anos de idade e estou sempre inventando coisas e renovando a minha alimentação.
Amo também trabalhar. O trabalho é algo que faz com que eu me verdadeiramente me movimente. Então, gosto muito de trabalhar na produção das coisas que eu realizo, tanto na parte de elaboração de projetos até na execução. E gosto muito de produzir rolês, eventos e movimentos culturais na cidade e adoro poder dividir com as pessoas o que eu sei para que a gente promova cena com agentes verdadeiramente independentes.
TUNTISTUN: Pode indicar 5 músicas mais recentes que você tem curtido?
Tesselation – Mild Hight Club
Hacia Alla – Iñigo Vontier & Dan Solo
Vitória – Ventura Profana
Fire In The Smoke Of A Changing Life – Curses
Saxo Temor – Djs Pareja
TUNTISTUN: O que você acha da energia da pista de Brasília?
Desde que pela primeira vez num rolê, sempre notei a galera com muito fogo, com muita vontade de dançar e de sentir o som. Eu também faço parte da pista de Brasília e honestamente me sinto muito íntima de muitos dos espaços e pessoas que formam a pista. Mas tá aí, eu amo chegar numa festa e ir pro front, dando aquela volta na pista, sabe? e identificando o rolê, a energia da galera, o som, o espaço em si. Enfim, eu to com saudade da pista e a energia é de muita loucura e rasgação.